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Sinopse

Uma adolescente lésbica não faz ideia dos caminhos difíceis que estão por vir. Em um baile de formatura, após ser pega beijando a rainha da festa por sua tia ultra-conservadora, uma atitude drástica é tomada: a garota é enviada, contra sua vontade, para uma espécie de centro de recuperação para jovens gays.

Crítica

Grande vencedor do Festival de Sundance 2018, O Mau Exemplo de Cameron Post é baseado no romance homônimo escrito por Emily M. Danforth e dá conta de uma protagonista às voltas com a forte repressão da sua sexualidade. Cameron (Chloë Grace Moretz) é adolescente nos anos 90 e, embora cumpra boa parte dos protocolos gastos da sua idade, posando com o acompanhante masculino antes do baile de formatura, por exemplo, nutre uma paixão ardente (e totalmente correspondida) pela melhor amiga, Coley (Quinn Shephard). Elas se entregam diversas vezes ao desejo, em cenas de alta tensão erótica, filmadas não de maneira fetichista, mas com a intenção de ressaltar a intensidade. Isso, até serem flagradas por alguém que entende o ato de amor como vergonhoso, especialmente diante de Deus. Desde o princípio, uma noção de pecado, deturpada pelo moralismo, nutre o comportamento histriônico da sociedade próxima que as condena por expressar afeto.

O Mau Exemplo de Cameron Post não é única e exclusivamente curioso quanto à jornada de Cameron por uma bizarra e doutrinária instituição que prega “conversão gay”. Diferentemente do que, a priori, poderia se imaginar, a protagonista serve como uma espécie de mestre de cerimônias, porque sua proximidade com cada um dos vários internos acaba criando um painel amplo. A mensagem central é bem definida, sedimentada pelos consecutivos vislumbres da psicóloga evangélica interpretada por Jennifer Ehle dizendo coisas absurdas, supostamente tragáveis aos olhos daqueles que creem nos homossexuais como doentes que podem ser tratados. A cineasta Desiree Akhavan é particularmente hábil ao mostrar essa violência travestida de compaixão, nada mais que uma catequização que recrimina as orientações sexuais distantes da heteronormatividade. Os líderes religiosos são caricaturas absolutamente compatíveis com inúmeros equivalentes reais (claro, caricaturais, exagerados) que reproduzem diariamente violências nos cultos.

Do ponto de vista da estrutura narrativa, O Mau Exemplo de Cameron Post é simples. Ele aposta no carisma dos personagens e na interseção das batalhas que todos travam nesse espaço afeito a pregar o total desprezo à sua natureza. Claro, consequências terríveis se tornam inevitáveis, e são também abordadas com acuidade suficiente para evitar a queda numa vala comum e tampouco aliviar a barra. Os internos, inclusive o irmão da mandachuva, supostamente ex-gay convertido num cristão heterossexual, convivem com castigos e interdições de toda sorte. Porém, o querer sempre acaba encontrando brechas, como no momento em que a adequação sôfrega de Erin (Emily Skeggs) não é o bastante para refrear impulsos noturnos. Numa realidade como a nossa, na qual o funesto conservadorismo contesta clamores por sociedades igualitárias e abertas à diversidade, é bem-vindo esse retrato contundente de quem brutaliza com o pretexto de evangelizar.

O trunfo de Cameron são os amigos, especialmente os dois mais rebeldes que oferecem suporte à sua inquietude e inconformidade, preservadas abaixo da fina camada de resignação. Jane (Sasha Lane) e Adam (Forrest Goodluck) fazem caminhadas matinais motivadas por um propósito alinhado à necessidade de garantir minimamente suas integridades psíquicas, bem como a autoestima, isso diante de um cotidiano marcado por frequentes lavagens cerebrais. Enquanto, de um lado, os evangelizadores tratam a atração por pessoas do mesmo sexo como um desvio, algo errado que deve ser extirpado para a obtenção da plena felicidade, do outro, os companheiros de jornada encorajam a sobreviver da melhor forma possível, nem que para isso seja preciso dissimular a verdade. Com um papel cheio de minúcias, dono de conflitos acontecendo a todo o instante, Chloë Grace Moretz tem um desempenho bastante tocante. Ela cria uma figura frente aos percalços de uma coletividade homofóbica, correspondente a tantas reais.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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