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Sinopse

Hank e Frannie moram em Las Vegas e decidem que seu casamento acabou. Durante o feriado da Independência estadunidense, vagam por uma cidade onírica se deparando com outras paixões, tão ilusórias quanto o brilho dos neons das fachadas do lugar.

Crítica

Hank (Frederick Forrest) e Frannie (Terri Garr) vivem nos arredores de Las Vegas, cidade feita de fantasia e luzes, criada para prazeres efêmeros, onde nada foi planejado para durar. Eles completam outro aniversário juntos, exatamente no quatro de julho, o Dia da Independência dos Estados Unidos. Frannie compra uma passagem para Bora-Bora. Hank, por sua vez, festeja a novidade de finalmente ter quitado a casa em que vivem. Ela quer sair para ver o mundo. Ele seria mais feliz mantendo os pés num terreno estável e rotineiro. Pessoas com projetos de vida díspares, mas que se amam. Mesmo jurando nunca mais brigar, se contradizem e encerram o relacionamento que deveriam comemorar. Separam-se para notar, mais adiante, que não conseguem viver um sem o outro.

Os dois perambulam pela terra insone reconstruída em estúdio. Esteticamente, em O Fundo do Coração o cineasta Francis Ford Coppola investe no artificial, não apenas da ambientação, mas também dos efeitos de montagem, das sobreposições que visam ampliar a sensação de estarmos diante de uma fábula. Algumas sequências beiram o onírico, como a noite amorosa de Hank e Leila (Nastassja Kinski), bela artista de circo capaz de andar sobre a corda bamba para seduzir e equilibrar-se numa bola ao falar de decepção, ou mesmo o número musical de Frannie e seu pretendente Ray (Raul Julia), garçom aspirante a cantor que promete uma vida de aventuras. Já o enfoque das emoções, da paixão e de suas vicissitudes, é bem menos floreado. Ocorre, então, uma fricção de registros que valoriza ainda mais o filme, lhe conferindo singularidade.

Outro ponto fundamental é a trilha a cargo de Tom Waits, ele que divide os microfones com Crystal Gayle. As canções, melancólicas no mais das vezes, não estão ali pura e simplesmente para embalar a trajetória de Hank e Frannie, mas para ajudar a conduzi-la. As letras remetem especificamente aos momentos, assim, Waits e Gayle desempenham papeis semelhantes aos de conselheiros oniscientes. Francis Ford Coppola assume muitos riscos em O Fundo do Coração, pois cria uma história com todos os ingredientes que o cinema tão bem mistura para falar de amor, contudo valendo-se de um visual estilizado, da promoção aberta do espetáculo, sem medo aparente de, com isso, perder a adesão da plateia. Embora não seja lembrado frequentemente entre os trabalhos mais notáveis do cineasta, de fato assim se apresenta.

O Fundo do Coração é uma celebração desbragada do amor. Coppola resvala no kitsch, banha seus personagens com os neons de uma Las Vegas ainda mais chamativa, fazendo-os transitar por cenários claramente fabricados. O casal protagonista vaga buscando felicidade em outros corpos, até finalmente entender que seguir os ditames do coração nem sempre é um caminho fácil e destituído de abdicação. A certa altura, Hank ouve de Frannie que seu novo amante canta para ela. Consternado, ele a olha e responde: “se pudesse, eu cantaria para você”. Nesse momento, o homem menciona uma impossibilidade, exemplo de limites que, neste caso, podem ser superados com doses de boa vontade (aqui motivadas pela iminência de perder definitivamente quem se gosta). Em meio a alegorias, Coppola aborda as dificuldades de amar, contudo, ressaltando quão imprescindível e recompensador é o amor.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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