Crítica
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Sinopse
Após terminar seu longo e famoso relacionamento com a sua musa Anna Karina e em meio à fase revolucionária de sua carreira, o célebre diretor e escritor Jean-Luc Godard inicia a produção de seu mais novo filme: A Chinesa, longa que narra a história de um grupo de jovens que tentam incorporar princípios maoístas ao seu cotidiano político. Durante as filmagens, ele conhece Anne Wiazemsky e, logo, os dois se apaixonam.
Crítica
Esta não é a cinebiografia de Jean-Luc Godard, mas um recorte bastante específico de sua trajetória pessoal, então filtrada previamente por dois olhares distintos. O primeiro deles é o da atriz e ex-esposa do cineasta, Anne Wiazemsky. Sua autobiografia, Un an après, serviu de base ao segundo ponto de vista, o do diretor Michel Hazanavicius. Portanto, parte-se de uma ideia de interpretação e reinterpretação, não da estrita verdade ou de uma visão peremptória. Dito isso, O Formidável é uma espécie de “churrasco de vaca sagrada”, por tirar Godard do pedestal sacrossanto, chegando ao ponto de ridicularizar determinadas atitudes e tomadas de decisão. Predomina o tom jocoso nessa observação doméstica, em meio à mudança de paradigmas na carreira de um cineasta muito celebrado. Adorado por sua jovialidade, Godard se via completamente tomado pela efervescência política da época, a partir disso contestando sua forma de filmar, os temas abordados, e a função do artista em plena hora da revolução.
Hazanavicius abertamente utiliza a macroestrutura de O Desprezo (1963) para construir O Formidável. Assim como na obra-prima estrelada por Brigitte Bardot, o ponto de partida das abordagens é geralmente o âmbito privado, mais especificamente o conflituoso dia a dia de um homem e uma mulher em crise conjugal. A fotografia, com cores saturadas/contrastes fortes, e a cenografia são igual e abertamente alusivas ao cinema godardiano do período. Se emular é um ato de amor, em última instância, então o vencedor do Oscar por O Artista (2011) declara-se absolutamente enamorado pela obra do cineasta aqui encarado como um sujeito inseguro e claramente influenciável no plano íntimo. São vários os momentos em que vemos Godard falando platitudes políticas revestidas com verniz erudito, sendo afrontado em reuniões de estudantes e em demais conjunturas alinhadas às tensões vigentes na época. Há uma aberta desconstrução do mito, retratado como alguém fraturado pelas próprias neuroses.
O filme se passa no emblemático maio de 1968, quando a França viu eclodir a greve geral. O ambiente fortemente politizado é o cenário em que Hazanavicius encara Godard, condicionado pela perspectiva da ex-cônjuge dele. Anne (Stacy Martin) gradativamente vai perdendo o interesse pelo marido famoso que não consegue se desligar da luta. O Godard interpretado por Louis Garrel é monotemático, obsessivo, uma figura vitimada pela insegurança e, por isso mesmo, bem sugestionável. Além disso, há diversos exemplos dele deixando exposta uma necessidade de ser amado e compreendido. São flagrantes disso duas cenas em que o vemos decepcionado, primeiro, com a fraca recepção de A Chinesa (1967) por parte do público e, segundo, pelo semelhante rechaço vindo dos chineses que o acusam de não saber algo relevante acerca da revolução. O Formidável resvala num reducionismo por, nas entrelinhas, criticar os manifestantes, entre eles Godard, questionando sua legitimidade, evocando ligeiramente o desvirtuado "lugar de fala".
É inteligente a utilização da metalinguagem em O Formidável. Seja quando Godard diz-se apenas um ator imitando Godard ou na conversa entre Garrel e Stacy, totalmente nus, discursando sobre a predileção de certos cineastas por cenas com nudez, Hazanavicius consegue um fino equilíbrio entre a sátira e o comentário ferino. Este filme não é uma tentativa de desmoralização ou algo que o valha, mesmo que Godard, no fim das contas, seja pintado na telona como um homem pedante, insensível às demandas de sua esposa, desesperado por parecer engajado e blasé, especialmente ao renegar suas realizações pregressas. O Jean-Luc que interessa ao conterrâneo – e isso fica claro, também, na ótima composição mimética de Louis Garrel – é o cotidiano, não o genial. Longe de configurar investigação, o longa pode até ferir a sensibilidade dos fãs mais ferrenhos do franco-suíço, porém franca e cuidadosamente separa as esferas pessoal e profissional, evitando colocar em xeque o cineasta, direcionando ironia ao homem e às suas falibilidades mais prosaicas.
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