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Sinopse
Em O Filho de Mil Homens, Crisóstomo, um pescador de 40 anos que cresceu isolado da sociedade, quer muito ter um filho. Convencido de que “quando se sonha grande, a realidade aprende”, ele parte em busca de relações verdadeiras, inventa uma família atípica e reúne personagens tão excêntricos quanto humanos. Drama.
Crítica
“Um pai em busca de um filho procura um filho em busca de um pai”. Essa é a frase que dá início à jornada dos personagens principais de O Filho de Mil Homens, primeira adaptação para o cinema brasileiro de um romance do escritor português Valter Hugo Mãe. O responsável por ter assumido essa tarefa foi Daniel Rezende, profissional já indicado ao Oscar – concorreu como montador por Cidade de Deus (2002). Desde que se assumiu como realizador vem demonstrando um talento ainda maior, não só no que dizia respeito à composição das imagens para uma melhor fluidez da história, como também na construção dramática que um texto precisa, seja a reprodução de um episódio inspirado em fatos (Bingo: O Rei das Manhãs, 2017) ou na elaboração em live action de criações vistas até então apenas em desenhos (Turma da Mônica: Laços, 2019). Sem ter mais nada a provar, assume agora aquele que provavelmente seja seu maior desafio até então. O resultado, porém, fica pelo meio do caminho. Se por um lado se torna evidente o esforço em alcançar a mesma sensibilidade percebida nas páginas literárias, por outro frustra por oferecer uma narrativa entrecortada e que apela mais a uma comoção eventual do que por conexões reais e justificadas. O que se vê, enfim, é exaltação da forma em detrimento de uma verossimilhança que termina por não encontrar espaço.
São muitos os capítulos pelos quais a narrativa de O Filho de Mil Homens atravessa. Crisóstomo (Rodrigo Santoro, empenhado em deixar para trás a imagem de galã, como no recente O Último Azul, 2025) é um pescador solitário, que pouco conversa e com ninguém se relaciona. Dentro de si, no entanto, uma carência aumenta dia a dia: é a falta de ter alguém para cuidar, criar, ensinar. Ele é o homem que necessita de uma criança para chamar de sua. Essa, por sua, vez, é vista na primeira cena do filme, quando uma senhora adentra uma casa abandonada e lá dentro encontra não apenas um menino, mas ao lado deste o corpo falecido de um idoso. De porte do bilhete deixado por Crisóstomo por todos os cantos da vila, ela o procura para confiar a ele o garoto órfão. Camilo (o estreante Miguel Martines) é seu nome, e sua chegada provoca mudanças frente às quais o pai estreante não estava preparado. A principal delas é um lamento profundo e compreensível: tendo agora um pai, lhe falta uma mãe. E ainda afirma: “nunca conheci a mulher que me colocou no mundo, apenas a minha avó. Sobre ela sei muito, mas sobre minha mãe, nada me foi dito. Por isso quero tanto uma que possa me dar carinho. Você pode me ajudar?”.

O história proposta pelo escritor e levada às telas pelo diretor e roteirista demonstra forte influência literária, e aqueles que chegarem à obra audiovisual desprovidos de conhecimento prévio que apenas o volume escrito poderia proporcionar enfrentarão resistência em se situar num jogo de quebra-cabeças cujas peças nem sempre parecem se encaixar com precisão. O homem que passou a vida inteira isolado não apenas ganha um filho no dia seguinte ao expressar ao mundo o seu desejo, como também consegue atender ao pedido que lhe é feito bastando para isso abrir a janela e se deparar com a mulher vestida de noiva que ali parece estar a sua espera (Rebeca Jamir, a revelação do elenco). Rezende poderia ter deixado lacunas para os espectadores preencherem, mas faz questão de percorrer uma após a outra e eliminar qualquer dúvida. E assim, entre idas e vidas, descobre-se a origem de Camilo e por qual razão Isaura está a olhar o mar. Mais ainda, investiga-se o passado do próprio Cristóstomo, enquanto que outros personagens, como Antonino (Johnny Massaro, com poucas oportunidades) ou Francisca (uma surpreendente Juliana Caldas) surgem mais como apêndices para justificar as decisões e atitudes dos protagonistas, servindo-os como meio, e nunca como fim.
O uso de figuras interessantes, como a matriarca supersticiosa (Grace Passô, deslocada), a médica compreensiva (Tuna Dwek, que segue à espera de um papel consistente) ou a mãe oprimida pelos preconceitos dos vizinhos (Inez Viana, resignada a apenas reproduzir um tipo), indicam o quanto deveriam ser ricas na literatura, mas tropeçam numa transposição imagética que não lhes oferece condições suficientes para irem além da caricatura. Com questões temporais nem sempre bem ordenadas e uma presença crucial mal elaborada – o homem mais literato, casado com a mulher mais progressiva, é também o mais homofóbico? – prejudicam a fruição de uma obra que alega promover famílias alternativas, a superação de traumas e o encontro no outro como caminho para uma cura pessoal. O Filho de Mil Homens investe em imagens que encantam aos olhos, mas falta sentimento que as envolva. Importante destacar ainda que estes são tipos movidos pelo sexo, pela culpa e pela religião, mas vistos por meio de uma absoluta ausência de tesão. Ou seja, bonito de ver, mas à distância, quase intocável. Um filme etéreo, que privilegia o lirismo, mas esquece de se aproximar justamente de quem com tudo isso deveria se importar: o espectador.
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Grade crítica
| Crítico | Nota |
|---|---|
| Robledo Milani | 5 |
| Chico Fireman | 6 |
| Miguel Barbieri | 6 |
| Alysson Oliveira | 4 |
| Carlos Helí de Almeida | 5 |
| MÉDIA | 5.2 |

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