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Sinopse

Martha Mitchell foi esposa de uma figura importante do governo norte-americano da era Nixon. Ela fez denúncias contra a administração durante o famoso caso de corrupção Watergate. Agradando ou não, Martha falava a real.

Crítica

Há muito a ser pensado a partir do caso Martha Mitchell, por assim dizer. Afinal de contas estamos falando de uma figura fundamental para os desdobramentos do Watergate – escândalo criminal e político que levou à renúncia do presidente dos Estados Unidos Richard Nixon em agosto de 1974. O primeiro, e talvez o mais importante, efeito do curta documental O Efeito Martha Mitchell é direcionar novamente os holofotes para essa mulher que atualmente pode servir de exemplo a partir do qual surgem vários assuntos, sobretudo a natureza estrutural do machismo. No entanto, as cineastas Anne Alvergue e Debra McClutchy não parecem tão dispostas a provocar “incêndios” tendo como ponto de partida a ex-esposa do Procurador Geral dos Estados Unidos durante o governo Nixon. A abordagem delas é bem mais ilustrativa do que notavelmente corrosiva. Há um claro contentamento em simplesmente trazer histórias à tona, devolver a voz a uma personalidade ameaçada de silenciamento, mas sem transcender o caráter ilustrativo. O resultado é uma boa introdução à trajetória da mulher que poderia ser encarada por múltiplos vieses em virtude da atuação nos bastidores e também na vida diante das câmeras.

O Efeito Martha Mitchell é um filme que dispensa sumariamente entrevistados e testemunhas beneficiadas pelo distanciamento temporal. As realizadoras decidem trabalhar apenas com material de arquivo, fazendo da costura deles a força motora do desenrolar desse enredo intrincado. Portanto, o filme é um apanhado indicativo de imagens de arquivo pessoal, trechos de programas televisivos da época, recortes de jornais de grande circulação, ponderações de personalidades relevantes naquele contexto sócio-político e algumas gravações posteriormente divulgadas da Casa Branca, a residência oficial do presidente dos Estados Unidos. Martha Mitchell tinha acesso privilegiado aos corredores do poder, frequentemente desagradava o patrão de seu marido com declarações controversas e, adiante, foi alvo de uma campanha de difamação por dar com a língua nos dentes em prol de uma “consciência patriótica”. Ao longo da observação dos fragmentos a vemos sendo tratada com condescendência e/ou minimizada pela estrutura masculina que rapidamente tachou de “histeria” os instantes em que ela explodiu contra o sistema. Como dito antes, há muito em torno de Martha. Pouco com real densidade.

Embora competente, a costura dos materiais de arquivo em O Efeito Martha Mitchell privilegia claramente o fundamento informativo do documentário, assim restringindo-o à apropriação que o jornalismo faz desse modo de realizar cinema. Levando em consideração as restrições imposta pela duração do filme (cerca de 40 minutos), Anne Alvergue e Debra McClutchy não viram determinadas chaves que estão ali prontas para abrir novas portas. Uma delas diz respeito às próprias contradições de Martha Mitchell, figura ativa nas campanhas de eleição e reeleição do terrivelmente conservador Richard Nixon, mas publicamente contrária à Guerra do Vietnã e escandalizada com o caso Watergate. Esse desacordo está ali disponível, como outro dos dados que nos ajudam a conhecer melhor Martha, mas nunca recebe atenção suficiente enquanto elemento temático e dramático. Acusada por seus detratores de fazer de tudo (e mais um pouco) para permanecer na mídia, Martha realmente desfrutava da atenção como um alcoólico sorvendo perigosamente goles daquilo que o vicia ou possuía intenções menos egoicas? O grande incômodo, o calcanhar de Aquiles do filme, é a ausência de proposições e de posições.

Anne Alvergue e Debra McClutchy poderiam ter feito um filme sobre as controvérsias, outro acerca dessa senhora silenciada pelo machismo prevalente na política, mais um sobre a ironia de uma mulher ser preponderante à derrubada de um governo que atuava para a perpetuação do machismo (vide as políticas públicas pouco inclusivas ou mesmo as formações ministeriais ausentes de acentos femininos). Mas, elas preferem fazer de O Efeito Martha Mitchell uma espécie de filme-resgate, cuja prioridade é trazer novamente à tona os causos e a importância de uma personalidade que parece não ter na história dos Estados Unidos o espaço condizente com a sua atuação num dos momentos mais críticos da superpotência geopolítica na era moderna. As frações são coladas para que tenhamos, minimante, uma imagem geral dessa mulher citada pelo próprio Richard Nixon inúmeras vezes (mais de 100) como motivo de uma preocupação de Estado. Sobram informações, pitacos de terceiros, ilustrações e afins, mas falta ao filme formular determinadas perguntas sugestivas sobre a personalidade bastante singular.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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