Crítica

Ainda que o título em português seja bonito – uma versão mais adocicada da adaptação em inglês, que se resumia à primeira parte (The Notebook, ou seja, O Diário) – ele é um pouco impreciso em abranger o todo que o filme oferece em sua trama. Afinal, O Diário da Esperança tem, de fato, um caderno de anotações no qual seu protagonista procura anotar os percalços que enfrenta no seu dia a dia, mas há muito pouca expectativa por tempos melhores. A visão é amarga, por vezes bastante cruel, que tenta ser amena nos momentos mais drásticos e violentos, porém sem diminuir o impacto de suas consequências. Vê-lo do início ao fim pode ser um processo doloroso, mas ainda assim gratificante por encontrar uma narrativa segura do seu discurso e dois jovens intérpretes no despertar de seus talentos.

Estamos no começo nos anos 1940, em pleno auge da Segunda Guerra Mundial, em uma Hungria prestes a ser ocupada pelos nazistas. Um dos oficiais locais reconhece que precisa se esconder se quer sair dessa vivo, e deixa para trás a mulher e os dois filhos gêmeos. Ela, sem saber o que fazer, os leva até a avó deles, a mãe que ela não visitava há mais de vinte anos. Ao abandonarem os garotos com aquela velha senhora que nada mais lhes é do que uma estranha, cada um lhes faz um pedido: o pai os deixa um caderno para que registrem ali tudo que fizerem enquanto estiverem afastados, e a mãe os orienta a seguirem com seus estudos, mesmo que para isso tudo que tenham à disposição é uma antiga enciclopédia e uma bíblia surrada. Já a idosa pouco se importa com os dois, obrigando-os a trabalhar em troca de comida e abrigo. Anos difíceis os esperam.

O diretor e roteirista János Szász não é um realizador dos mais assíduos. Na ativa há mais de trinta anos, lançou apenas quatro longas nesse período. Neste período trabalhou muito na televisão, em curtas, documentários e, principalmente, peças de teatro. Vem daí seu interesse pelos atores e a atenção que dedica aos intérpretes de O Diário da Esperança. Desde a presença do seu ator-fetiche Ulrich Thomsen (Mortdecai: A Arte da Trapaça, 2015) como um nazista de alta patente que simpatiza com os meninos até o cuidado que tem com os irmãos László e András Gyémánt, ambos estreantes e mostrando desempenhos surpreendentes, carregando com competência o filme nas costas. É a história dos dois que nos interessa, o que lhes acontece e o que será deles durante e após o conflito. E o cineasta é inteligente o suficiente para reconhecer neles a força deste trabalho, dando-lhes espaço e condições suficientes para que entreguem o melhor destes potenciais ainda inexplorados.

Entre pais ausentes e uma avó que parece não se importar com eles, os gêmeos terão que aprender às duras penas como se virar um dia após o outro. E entre os episódios mais corriqueiros desse amadurecimento precoce, como a iniciação sexual, as primeiras amizades e o jogo das ruas, em que o menos ágil pode ficar sem comer, eles irão cada vez mais se trancando dentro de si próprios, tendo apenas um ao outro como porto seguro. Em mais nada nem ninguém eles podem confiar, e irão aprender isso da maneira mais sofrida possível. O Diário da Esperança, portanto, não é um filme fácil e alegre, daqueles que se encerra com um sorriso estampado na tela. Pelo contrário, sua digestão é difícil, dura e complicada, mas ainda assim necessária. Uma obra forte, mas definitivamente não para qualquer estômago.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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