Crítica

Duas cabeças pensam melhor que uma. O ditado já tem estrada, mas continua funcionando em muitas situações. No entanto, quando diversas mentes estão envolvidas em um trabalho e, mais ainda, não entram em ação no mesmo momento, o excesso de ideias pode ter um resultado desastroso. O Crime da Gávea foi roteirizado pelo autor de novelas e minisséries Marcílio Moraes, um dos nomes por trás do sucesso As Noivas de Copacabana, exibido nos anos 90 na Rede Globo. A inspiração para a história de suspense e crime é o romance homônimo escrito pelo próprio Moraes, que aparece no material de divulgação como o autor do filme, apesar da direção ter ficado a cargo do estreante André Warwar. Toda essa conversa para dizer que mesmo quem não sabe a respeito da dinâmica, das várias mãos que conceberam cada etapa de realização do longa-metragem, percebe haver mais confusão que colaboração.

O protagonista Paulo, interpretado por Ricardo Duque, se vê envolvido além do sentimental com o assassinato de sua esposa, Fabiana (Aline Fanju), que o público conhece apenas por flashbacks enuviados, que pouco dizem sobre a personagem. Os ingredientes para uma trama de mistério são clássicos e se fazem presentes de forma didática e até caricata. O detetive desconfiado, a amante de índole dúbia e até um suposto affair de Fabiana, fato que Paulo descobre após entrar no turbilhão que é investigar a morte da mulher. A intenção é boa, mas o que ganha a telona é uma coleção de cenas dispensáveis, permeadas por frases do filósofo Heráclito, recurso que mais parece uma tentativa de acrescentar profundidade a um homem raso como Paulo.

A fotografia tem seus pontos positivos por fugir dos óbvios planos de cartão-postal, comuns quando se dirige as lentes para o Rio de Janeiro. Na maioria do tempo coberta de nuvens, a pedra da Gávea, que ganha status de personagem do meio para o fim da produção, é filmada à noite. Com isso, se constrói uma atmosfera sombria, que se perde devido ao clima rocambolesco para onde descamba o roteiro. O elenco segue o mesmo ritmo, com atuações fraquíssimas, inclusive de talentos como Simone Spoladore, que também é produtora do filme. Quem poderia se salvar é Silvio Guindane, mas sua presença se resume a poucos minutos.

Os defeitos de O Crime da Gávea podem até ser explicados pela criação “quebra-cabeça”. Warwar atuou no set com base no roteiro e o material foi passado para Marcílio Moraes e equipe à pós-produção, sem qualquer troca entre os “criadores”. Isso talvez justifique as rebuscadas vozes em off, que nada combinam com a personalidade bruta e de pouca conversa de Paulo, um editor de vídeo que sonha de forma desconexa e demora mais de uma hora para desvendar um crime que o espectador com um pouco de experiência em literatura policial clássica resolve em duas ou três cenas. O longa quer ser bem construído, mas parece um inquérito de duas semanas, do tipo que nem nota no jornal merece.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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