Crítica


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Sinopse

Jovem de temperamento difícil, Dare fica preso num elevador defeituoso com uma grávida prestes a dar a luz.

Crítica

Antes que o insolente Dare (Timini Egbuson) fique preso no elevador com Abigail (Toyin Abraham), mulher prestes a entrar em trabalho de parto, ele é desenhado em O Bebê do Elevador como um típico jovem mimado que se relaciona com o mundo de maneira egoísta. Rico, não se furta de humilhar a empregada da casa noturna que “ousa” informa-lo do problema com o cartão de crédito na hora de pagar a conta exorbitante. Logo depois é visto cometendo excessos, brigando com a mãe, provavelmente recorrendo pela milésima vez à namorada que não suporta mais sua soberba, afrontando o padrasto, criando caso com os amigos. Enfim, o cineasta Akhigbe Ilozobhie empilha em pouquíssimo tempo diversos indícios que apontam à necessidade dele aprender lições. Já vimos esse tipo de personagem muitas vezes no cinema, o que precisa passar por uma situação potencialmente traumática a fim de compreender a necessidade de ser uma pessoa melhor. Mas, neste longa-metragem nigeriano sobressai uma ingenuidade gritante no que diz respeito tanto à forma como as convenções são meramente requentadas quanto aos quesitos básicos, como direção de arte e interpretações.

A vulnerabilidade do conjunto fica evidente nas tantas vezes em que o discurso de alguém é contradito por outrem, não deliberadamente, a fim de gerar algo, mas involuntariamente. Para engambelar o patrão, o responsável pela manutenção mente afirmando estar preso no trânsito, balela percebida assim que a câmera aponta à rua tranquila. O empregador chega a falar que é difícil a cidade estar lotada num sábado. Adiante, é exatamente um congestionamento que impede o médico de chegar rapidamente ao local em que a bolsa estoura. Voltando à sequência inicial, Daren é visto em estado de suspensão na festa supostamente animada. No plano subsequente, está na gandaia como se não restasse resquício da reflexão que o tirara momentaneamente do clima de euforia. Assim, do nada. O realizador não consegue trabalhar devidamente as flutuações emocionais, demarcando excessivamente determinados estados que não encontram respaldo no comportamento dos personagens. Além disso, é destrambelhada a preparação do terreno ao episódio deflagrador.

Na medida em que avança, O Bebê do Elevador apenas acumula problemas. Numa cena de discussão entre mãe e filho, observada de perto pelo padrasto e pela namorada do jovem, a câmera não se decide entre sublinhar a decepção da genitora ou indignação do playboy. A troca aparentemente aleatória de perspectivas tem ainda a tentativa malsucedida de incluir visualmente as testemunhas, ao fundo se expressando por meio de gestos que denotam ora apreensão, ora desaprovação. O desenho de som não ajuda a dirimir a sensação de artificialismo, pelo contrário, pois claramente algumas pessoas são ouvidas a partir de microfones direcionais distantes delas, vide a discrepância entre os volumes. Ainda no que concerne à técnica, os ambientes corroboram esse caráter postiço, com algumas escolhas risíveis, como o boneco enorme do Batman que vigia a entrada do quarto desse marmanjo em breve no centro de uma experiência transformadora. A ideia é clara, mostra-lo como rapaz que conserva certa puerilidade, carente de amadurecimento. Mas o tiro sai pela culatra.

Akhigbe Ilozobhie aposta em oposições marcadas, haja vista a diferença entre Dare e Abigail, colegas de ocasião que precisarão ter alguma sintonia para o bem do bebê prestes a nascer. Todavia, eles pouco interagem efetivamente. Ambos estabelecem mais relações com as pessoas que intentam socorre-los, com isso se revelando. Em meio à situação, ela faz uma revelação bombástica digna dos folhetins que apostam no impacto como motor do melodrama. A descoberta não modifica em nada os rumos do filme. Já Dare passa mais tempo reestabelecendo elos via telefone celular com a namorada, os amigos e o padrasto do que necessariamente cuidado da parceira de clausura. A circunstância os move a acertar contas com o exterior, sendo o interior uma desculpa esfarrapada. Toyin Abraham se limita a gritar uma angústia provocada pelas contrações, num plano literal, e pela culpa, numa esfera simbólica. Timini Egbuson se restringe destemperar-se ante a responsabilidade. Pena que nem o resgate do iorubá, numa produção falada em inglês, seja aproveitado pelo cineasta nesse filme bastante frágil. Igualmente lamentável que o cinema da Nigéria que nos chegue seja este.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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