Crítica


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Sinopse

André, jovem médico, passa um ano fora do Brasil trabalhando na África. Apesar da distância, decide continuar mantendo contato com sua ex-namorada e passa a trocar cartas com ela. Ele só não imaginava que quem estava recebendo e respondendo suas correspondências era a ex-cunhada.

Crítica

André (Igor Angelkorte) é um homem à moda antiga, do tipo que ainda manda cartas. Durante uma temporada de trabalho com causas humanitárias no território africano, esse médico troca correspondências melosas com a amada a quem finalmente promete casamento. No entanto, ao desembarcar o Brasil, descobre que a namorada, Beta (Juliana Didone), se casou e teve uma filhinha com outro sujeito. Mas, então ele fica intrigado: com quem estava trocando juras de amor à distância? Em O Amor dá Voltas, o roteiro assinado por Marcos Bernstein, Marc Bechar e Victor Atherino faz uma distinção entre as informações oferecidas ao protagonista e aquelas dadas ao espectador. Desde o começo sabemos que a signatária dos escritos é Dani (Cleo), a irmã caçula de Beta. André simplesmente desconhece essa realidade, o que engatilha um jogo de gato e rato. Jovem com um histórico conhecido de porralouquice, Dani é apaixonada pelo ex-cunhado em segredo e corta um dobrado até ele finalmente enxergar isso. André é o típico mocinho de comédias românticas: lento, estabanado, meio tolo, mete os pés pelas mãos, mas possui bom coração. O cineasta Marcos Bernstein adere voluntariamente aos lugares-comuns desse tipo de história, o que deixa um sabor de “já vi esse filme” durante a nossa experiência. Temos um mocinho “tapado”, uma mocinha que não consegue declarar sentimentos, diversos desencontros aparentemente impossibilitando o amor pelo qual torcemos e um final bem feliz.

Reza a lenda que a crítica de cinema não gosta de finais felizes, que ela valoriza mais as histórias trágicas com clímaces pouco solares nos quais os personagens acabam sofrendo o peso desmesurado e realista do destino. Mas, pera lá, há histórias mais bem contadas a partir da perspectiva pessimista, outras que se encaixam num realismo menos determinista e existem ainda as que pedem por encerramentos positivos em que todos se dão bem. Ou você acredita, por exemplo, que Um Lugar Chamado Notthing Hill (1999) seria ainda melhor se os personagens de Hugh Grant e Julia Roberts não ficassem juntinhos no fim, assim confirmando o poder das impossibilidades? Claro que não seria, pois o circo estava armado para a felicidade conjugal ser uma espécie de catarse que alivia. É mais ou menos o que acontece em O Amor dá Voltas, embora o cineasta Marcos Bernstein deixe margem para duvidarmos se realmente as coisas darão certo. Porém, se há algo frágil nessa realização é o desenvolvimento dos personagens, a forma como se dá o acúmulo de experiências para chegar ao clímax em que tudo se encaixa. A começar por André, personagem sem sobrevida para além desse arquétipo do “mocinho lerdo”. Por exemplo, o fato de ele ser médico é praticamente irrelevante, servindo apenas para reforçar o estereótipo de uma África carente que depende do ocidental branco em busca de si mesmo.

Embora a direção manifeste evidentes preocupações cinematográficas (já voltaremos a isso), o roteiro poderia ser melhor afinado no diz respeito às constantes (e importantes) mudanças de rota. André deixa repentinamente de ser o ex-namorado perseguidor, o que faz de tudo para convencer Beta sobre ser pessoa ideal, e se torna um rapaz triste que merece ser consolado pela mulher que o ajuda a se curar. Aliás, é preciso suspender a descrença para embarcar nessa de que ele não percebe os avanços de Daniela, personagem bem interpretada por Cleo – menos no quesito “aproximação sutil do ser amado”. Marcos Bernstein pesa um pouquinho demais a mão nesse cerco amoroso de Dani, algo que pretende reforçar aquela diferença entre as percepções de André e as do espectador. O objetivo é sugerir a nós a pergunta: “como assim, ele não percebe esse crush evidente?”. Mas é Beta quem sofre a guinada mais abrupta e artificial. De uma hora para outra, deixa de ser a ex-namorada indignada com os avanços do sujeito que voltou reivindicando reatar os laços, passando ao status de mulher em dúvida sobre o futuro enquanto coloca em xeque a família recém-formada. Toda essa ciranda envolvendo os três personagens é construída com conveniência, vide as peças se encaixando meio forçosamente a fim de garantir que as tensões serão momentâneas e as promessas de felicidade serão eternas. Ainda assim, o tempero saboroso na interação entre Igor e Cleo captura o interesse e garante a nossa torcida.

Retomando o tópico “preocupações cinematográficas”, são visíveis os esforços do cineasta Marcos Bernstein para o romance ser contado também por meio de elementos não verbais. Em várias cenas, a câmera tenta criar uma relação com o ambiente, ao ponto de ele expressar o que vivenciam os personagens. Por exemplo, ao utilizar um jogo de luzes e sombras para definir momentos de alegria e tristeza, ao investir em composições que pretendem evitar a camisa de força do campo/contracampo ou ao prescindir das palavras quando elas não são estritamente necessárias. Um exemplo disso é a cena de Cleo deitada, de biquíni, na praia, cujo corpo é percorrido pelos olhos vidrados de um André que até então parecia não ter percebido a beleza de Dani (outra lógica diante da qual que temos de suspender a descrença). Esse instante representa o filme tem de melhor (em termos de intenção) e de pior (em termos de perda de oportunidades). Por um lado, a cena cumpre a função de sugerir uma passagem de limiar (André finalmente enxerga a ex-cunhada como uma mulher por quem se interessar), algo importante para o andamento do futuro romance. Por outro, não carrega o erotismo fundamental para escapar de uma idealização romântica propensa à castidade ou da ideia do sexo como um ato de mera confirmação do amor. Faltam em O Amor dá Voltas pitadas de um desejo eletrificando as relações, o que certamente não invalidaria essa ingenuidade clássica dos heróis e das heroínas românticos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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