Sinopse
Will passa seus dias enxergando o mundo literalmente através dos olhos de algumas pessoas. Quando uma delas morre em circunstâncias trágicas, ele precisa escolher entre vários candidatos para saber quem merece uma vida.
Crítica
Nove Dias é sobre alguém que precisa escolher, entre vários candidatos, o que receberá o dom da vida. Will (Winston Duke) já teve a sua jornada na Terra, mas atualmente é o que ele próprio chama de “peça da engrenagem”, partícula de um mistério que nunca assume tons religiosos ou dogmáticos. O cineasta brasileiro Edson Oda parte da ideia curiosa de um ex-humano com o poder de decidir quem deve nascer, ou seja, de um homem que carrega memórias e dores terrenas ao plano intermediário aparentemente fundamental. Ele seria um peão subordinado a um deus? A falta de resposta para essa pergunta óbvia enfatiza que a imperfeição ainda humana rechaça qualquer perfeição divina. Esse sofredor de poucas palavras e emoções represadas também observa quem antes passou pelo processo e agora está sob sua vigilância diária. Mas, para quê? Não é discutido o propósito de enxergar o mundo literalmente pelo prisma de dezenas de viventes. Simplesmente, Will precisa ficar ali sentado, encarando as televisões empilhadas, anotando coisas e testemunhando de que maneiras seus “olhos” registram e interpretam. E um dos primeiros pontos que chamam a atenção é a construção visual dessa espécie de antessala da vida. Por fora, é uma casa quase isolada numa planície de ares desérticos. Somente percebemos que há outras casas (e espaço generoso entre elas) quando Will vai ao ferro velho buscar peças descartadas que serão reaproveitadas. Não é sequer mencionado como são as outras casas.
No filme, são predominantes os elementos de uma plasticidade retrô. E essa concepção vai na contramão do clichê visual das dimensões espirituais ou do que os valha. Estamos acostumados a estéticas assépticas e/ou monocromáticas à representação de espaços metafísicos (tudo branco, sem tanta personalidade). Em Nove Dias o lugar está repleto de objetos analógicos, das televisões de tubo aos móveis que projetam a introspecção do protagonista. Aliás, até o figurino de Will é coerente com o interior da casa e a sua personalidade turvada. Winston Duke compõe minuciosamente a vulnerabilidade de Will (gestos, olhares, pausas, hesitações), e o fato do ator ser corpulento confere ao personagem uma fragilidade ainda maior. É o gigante que caminha pesado. Will é um sujeito que, como diz alguém, “sofreu tanto que optou por não sentir mais nada”. Ele conduz esse “concurso” insólito que dura nove dias a fim de determinar o vitorioso digno de viver. E as etapas são um subterfúgio narrativo para debater os grandes temas (vida, morte, medo, inseguranças, sentimentos, dificuldades, resistências, barreiras emocionais, etc.). E Will possuiu uma metodologia clara para lidar com o emaranhado de sensações que lhe atravessam: ele simplesmente não se envolve e tem total liberdade para agir. Quando muito é supervisionado pelo afetuoso Kyo (Benedict Wong). Porém, age conforme o seu arbítrio.
Estamos diante de um protagonista fechado em copas, “pra dentro”, que detém o poder sobre a vida, mas é tão frágil quanto os candidatos que tentam lhe agradar. E Nove Dias não utiliza esses coadjuvantes como meros satélites sem luz própria. Os candidatos, o supervisor e mesmo as pessoas vivas sob a responsabilidade de Will compõem um painel diverso de anseios humanos. Aos poucos, em meio às conversas aparentemente banais e às provas, entendemos que Will sofre. Não à toa, a obsessão pela protegida morta num acidente de carro é justificada pela identificação com a dor dela. Há nisso um vínculo que para ele faz muito sentido. Will perde o prumo justamente quando essa única pessoa que se lembra dele tem um fim precoce, algo que o imponente "juiz" considera um fracasso pessoal. Mas, como, já que pelas regras de sua posição ele sequer poderia intervir para evitar o inevitável? Edson Oda explora a restrição do cenário, utilizando a decupagem como aliada para evitar explicações e simplificações. A atenção permanece nos gestos, no flagrante dos olhares reveladores, na ênfase às texturas das memórias, na austeridade do sujeito "confortável" na inércia emocional que o blinda.
É curioso que Will utilize dilemas morais como parâmetro de avaliação. Seu primeiro exercício é simular a decisão de vida ou morte num campo de concentração. Embora o examinador diga que não existe resposta correta, os vários candidatos talvez se sintam impelidos a falar o que lhes parece favorecer o seu pleito? Pelo sim e pelo não, Edson Oda sublinha a diversidade e a complexidade. Algumas pré-existências dizem que matariam o próprio filho para salvar os demais no campo diante de um soldado nazista sádico, enquanto outras se sentem menos confortáveis para dar respostas definitivas sem tempo de ponderação. Nessas nuances e sutilezas é que mora o mais bonito do filme. E então surge Emma (Zazie Beetz), a figura disposta a quebrar as resistências com sua graciosidade e luminosidade. Ela tem a capacidade de enxergar a positividade num mundo repleto de coisas ruins. Tanto que durante um jantar de possível despedida, seu “adversário” chega a questioná-la como é possível perceber o copo meio cheio numa coletividade que esvazia nossas esperanças. E não se trata de eleger a personagem desviante como ideal, mas de mostrá-la alternativa à desesperança do protagonista. Tanto que Will a considera demasiadamente "fraca" para sobreviver num mundo agressivo.
Há em Nove Dias um elogio à arte como ferramenta de elevação, sobretudo quando Will demonstra sensibilidade diante dos candidatos descartados. É algo que se aproxima do procedimento comum no cinema do sueco Ingmar Bergman: o breve e sublime instante de felicidade em que é possível se esquecer da dor, do tempo e até da morte. Edson Oda constrói isso a partir do caráter lúdico do teatro. Will e Kyo representam epifanias cotidianas com imagens projetadas e truques característicos da arte dos palcos. E esses simulacros despertam emoções poderosas naqueles prestes a desaparecer. Em torno disso, o jovem realizador brasileiro realça a beleza do trabalho artesanal em prol de algo que não seja fruto das máquinas ou de operações digitais sem uma impressão digital. Também com isso ele rompe com o senso comum de um além-vida em que anjos e querubins materializam as coisas simplesmente utilizando a força do pensamento. Por isso vemos Will moldando a madeira e dilapidando à mão as matérias-primas naturais. Enfim, voltando ao potente aceno que o filme faz à natureza revolucionária da arte: na belíssima cena final, não acontecem as costumeiras redenções e tampouco o resultado é alterado por arrependimentos repentinos que redimem os personagens. Nela, o que importa é a atitude sublime da arte de mãos dadas com a empatia. É uma ode à capacidade de emocionar-se a partir da (e com a) experiência do outro, instigada por uma das mais bonitas estratégias de expressão humana.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 9 |
Chico Fireman | 4 |
Ticiano Osorio | 8 |
MÉDIA | 7 |
Assisti ao filme, ontem, 04/02/2024. Adorei! Beleza e sensibilidade sem ser piegas. Me fez imaginar que na verdade, a alma a ser salva era a de Will e que os outros personagens eram os enviados para essa missão. A abordagem do cineasta é magistral. Recomendo fortemente!
Olá eu vi o filme por um ângulo que fez eu pensar , não sei se vi d mais , mas vi o Will como Jesus , o amigo primeiro diz que ele amou d mais , bondoso d mais , sofreu d mais , depois vemos ele servindo como carpinteiro, o monólogo pode de misturar com seu papel de pregador da vida tive essa sensação, e falo q fiquei mais encantado com o filme em pensar q foi algo desse tipo a ideia a ser decifrada
Filmaço.
Assisti hoje, amei. Filme reflexivo e surpreendente. Concordo muito com sua nota 9, Marcelo (ainda bem que não foi o Chico quem escreveu a crítica 🙂)
fiquei completamente envolvida , eu me vi em cada personagem , eu vi a vida, respeito mais minha existência depois desse filme
Excelente a crônica de Marcelo Müller. Transcende a crítica e revela o entendimento que teve ao assistir a essa obra tocante do jovem cineasta brasileiro. Importante ressaltar que esse filme passou pelo crivo do Festival Sundance, o que já é um indicador positivo de sua qualidade. Pena que os críticos da mídia tradicional, quase todos a serviço do Deus Mercado (streaming, grandes produtoras) nem tomaram conhecimento de Nova Vidas.
Tenho sérias dúvidas muito negativas e não elucidativas do filme Nove Dias: 1. O Will é um entrevistador e seria um construtor de vida na religião espírita? 2. Deus nunca faria uma pessoa como ele – para escolher quem puxa ou não a cadeira e definir com as escritas determinar quem deve voltar a viver (reencarnando) ou não? Se por acaso ele fosse um anjo ou um Arcanjo escolhido por Deus, talvez com uma forma de amor e dedicação seria mais aceito. No filme o Kyo menciona que ele tinha muito amor, mas no filme não o demonstra em nenhum momento (apenas raiva, introversão, com muito cometimento, discrição, resguardo, com muita prudência, sem jeito de falar e se expor, com muita austeridade, sem naturalidade, e autocontrole, ...), fora a atuação pífia do Will, a não ser a última cena, razoável! 3. Um entrevistador (construtor) não necessita ter um fichário e escrever, como mencionam está tudo guardado e na memória dentro do Will. 4. O filme fala em nove dias, por que algumas pessoas não passam os nove dias? 5. Não explicam o porquê de suas negativas, em relação a cada pessoa dispensada? Se Deus lhe deu este poder, mas sem a devida sensibilidade e amor com as pessoas, volto a mencionar atuação pífia do Will. 6. O que aconteceu com a Anne? Sem explicação lógica? 7. Qual o motivo do caixão de madeira para o Mike? E por que foi dispensado? 8. Por que a Maria foi dispensada? Qual foi o motivo e o que estava escrito na carta? Em algum momento ela mencionou que gostava de andar de bicicleta? 9. O motivo do lixo? Precisa ir somente a noite para ir pegar? 10. A casa com moradores, no começo do filme? Qual o motivo? Se esta casa é solitária? 11. A pessoa que passa ao lado do Kyo na praia? Qual seria o motivo? 12. Qual o motivo de ter televisões antigas e poucas? 13. Somente poucas pessoas para o Will para avaliar para o mundo? 14. Minha avaliação, o filme não tem uma consistência lógica e espírita, parado e sem uma determinada coerência? 15. O ator Alex, mencionou a verdade, o Will não tem sentimento de pesar é um patético e não tem de condições de julgar as pessoas. 16. Por que o Will se comparou a Amanda? 17. O que aconteceu com a Collen? 18. Por que escolheu o Kane? 19. O que a Emma escreveu? 20. Filme sem lógica e sentido nenhum a meu ver! 21. A avaliação do Marcelo Müller, (escreve muito bem), mas acho que as críticas são de outro filme? 22. Não seria isso (abaixo as minhas críticas) que este filme talvez tenha querido mostrar? Reencarnação: a base da doutrina Espírita Pós-morte, vida eterna... Entenda melhor sobre a reencarnação, base da Doutrina Espírita que liga os planos material e espiritual. Reencarnação é o ponto crucial de diferença entre a Doutrina Espírita e parte de outras religiões ao redor do mundo. Ela é capaz de explicar nossa missão na Terra, a ligação entre a vida material e espiritual e como se dá o melhoramento progressivo da humanidade. Para compreender o que é e como se dá a reencarnação, primeiro é necessário entender os mundos material e espiritual. O primeiro é visível aos olhos dos seres humanos, já o segundo é invisível aos olhos do corpo físico. Em simples palavras, o mundo material é um tipo de cópia do mundo espiritual, que seria a essência, a sublimação. Para a Doutrina Espírita, todo homem tem um espírito encarnado em si e seu corpo físico passa pelas fases normais da vida: infância, adolescência, juventude, maturidade e velhice. O corpo desgasta-se pelo tempo e pelos vícios e, chegado o momento, o indivíduo morre e, assim, se dá a desencarnação, ou seja, a passagem do espírito para o plano espiritual. Allan Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo define reencarnação como "a volta da alma ou espírito à vida corpórea, mas em outro corpo especialmente formado para ele e que nada tem de comum com o antigo". A reencarnação é a oportunidade que temos de aperfeiçoar nossos erros e acertos, mediante a nossa experiência, construindo nosso próprio destino. A Doutrina Espírita diz que Deus cria as almas simples e ignorantes, isto é, sem a noção e sem o conhecimento do bem e do mal, mas com igual aptidão para tudo. Ao longo das encarnações o espírito comete erros, aprende, reflete e tem experiências que o marcam profundamente, mas sempre com o objetivo de passar de uma ordem espiritual inferior para outra mais elevada. Com exceção dos espíritos de primeira ordem, todos os outros devem reencarnar sucessivas vezes, pois estamos em aprendizado constante. Ao término de cada passagem terrena é possível avaliar a dimensão da evolução espiritual e, com a ajuda dos mentores e dos construtores da vida, estes sim iriam resolver se é melhor permanecer no plano espiritual, atuando positivamente em auxílio aos encarnados, ou se seria o momento certo de voltar à Terra. Os caminhos de muitos espíritos são traçados pelos construtores da vida, que organizam, com o máximo de cuidado e competência, os planos de reencarnação valendo-se do registro individual de cada espírito. Assim, fica claro que a reencarnação é a mais alta expressão da justiça divina que não condena ninguém aos sofrimentos eternos por causa dos erros de outras vidas, muitas vezes cometidos em momentos de insanidade. A reencarnação, ou seja, os inúmeros corpos de que se serve um mesmo espírito em sua caminhada pela eternidade, explica melhor a diversidade de destinos e de aptidões que são vistas na Terra. O processo de reencarnação nunca acontece sem um objetivo ou motivo, pois os seres podem estar em missão, provação ou expiação. A missão é a tarefa ou o poder conferido a alguém para realizar algo. Porém, vale ressaltar que encarnar em virtude de uma missão somente ocorre para uma minoria de espíritos. A provação é o ato ou efeito de provar e geralmente é sofrida por alguém a fim de determinar se já possui condições de vencer os percalços da vida. Já na expiação acontece a grande parte das reencarnações, ou seja, a razão é o pagamento de débitos adquirido em vidas anteriores ou nesta mesma vida. Como uma espécie de castigo ou penitência, é o resultado do mau procedimento do indivíduo perante a Lei de Deus, que está inscrita na consciência de cada um. Um espírito pode reencarnar quantas vezes necessitar para o seu desenvolvimento, sem perder sua individualidade, mudando apenas de personalidade. Isso porque a cada encarnação ele sofre a influência do novo corpo, do novo ambiente físico e sociocultural, da nova família, dos amigos etc. Os estudiosos do Espiritismo afirmam ser possível e até constante um espírito desencarnado voltar à Terra como um membro da família que um dia deixou. Isso porque a família é o ponto de encontro, é a escola onde os serem se juntam para evoluir. (João Bidu) Isto sim seria um filme excepcional?
Achei o filme uma obra de arte. Muito lindo e sensível. Gostaria de ver mais filmes assim no cinema.