Crítica

Pode parecer clichê dizer isso (e provavelmente é), mas é dificil ficar impassível com a experiência de Nova Dubai, de Gustavo Vinagre. Afinal, a primeira cena já é de causar choque nos mais incautos: assistimos ao sexo oral feito no ânus de um dos protagonistas. Sem pudores. Explícito. As transas que vão se intensificando (e se tornando mais violentas até) ao longo do filme podem ser interpretadas de duas formas: ou como algo gratuito ou como metáfora ao crescimento irrefreável de novas e grandes construções que vão tomando conta dos espaços urbanos, assim como o próprio ato sexual.

Seguindo a linha tênue entre ficção e documentário, acompanha-se a trajetória de um suposto casal (uma das partes interpretada pelo diretor) que caminha pelas ruas da cidade com um projeto de documentário, encontrando muito sexo pelo caminho, especialmente entre construções e terrenos baldios. Poderia se encaixar num gênero queer, mas a proposta parece ser além da tônica "de gays para gays". O protesto em forma de sexo choca tanto que as mentes mais fechadas (e talvez até as levemente abertas) não engulam direito o que está sendo dito. Mas se há alguma "culpa" (se é que esta palavra pode ser usada), ela não pode ser apenas do público, mas também da forma como o discurso é lançado.

Vinagre tem alguns personagens recorrentes ao longo do média-metragem de quase 50 minutos de duração que, apesar de parecerem ter um objetivo inicial, se mostram perdidos ao longo do caminho. Falo do rapaz que sempre aparece deitado de shorts na cama (com seu "volume", assim digamos, acentuado em direção à câmera) falando sobre suicídio e de outro que disserta sobre filmes de terror, assim como o anterior, diretamente para o espectador. Por um lado parecem expressar o horror que é viver numa sociedade multifacetada e tapada. Por outro, parecem alegorias que ficariam melhor fora do corte final.

O protagonista afirma certa hora que não consegue gozar em locais fechados. O mesmo também choca ao dizer que a primeira mulher que lhe despertou desejo foi sua avó. Além disso, ele transa com o pai do "amigo quase namorado" em uma das construções. Com direito a membros rígidos e gozadas em foco. O sexo é tão explícito quanto a visão que se tem das grandes construções, onde nada parece ficar de fora do olhar que se tem das janelas. Tudo está exposto, dos corpos em ação aos sentimentos dos personagens, que se desnudam (física e mentalmente) com seus atos e declarações. Ao mesmo tempo, eles não conseguem se comprometer. O próprio "não-casal" principal não consegue se firmar como namorados. A sexualização do meio se tornou tão alarmante que é impossível querer se conectar a alguém sem dar aquela espiada nos apps de geolocalização (leia-se Grindr, Growlr e afins, muito além do "inocente" Tinder) ou na própria construção vizinha?

Falar de sexo ainda é tomado por hipocrisia nos dias de hoje, ainda que o pudor pareça esquecido quando se fala no feminino. Aqui só há corpos masculinos, das mais variadas formas e idades, sendo utilizados como objetos de prazer. E o que choca mais provavelmente seja isto: numa sociedade tão acostumada a utilizar a mulher como figura sexual, como inverter a figura para o homem, o patriarcado, sem dar de cara com o machismo iminente? Por um lado, o diretor merece palmas por tratar do assunto com naturalidade. Melhor ainda quando utiliza uma das figuras simbólicas do "macho alfa", um pedreiro, para uma de suas incursões sexuais. Porém, talvez o problema do filme de Vinagre seja pretensão demais ao misturar diversos discursos que acabam desviando seu foco. O que pode tirar um pouco o mérito de sua obra pontual, mas não do talento latente que tem como cineasta. Ousadia e técnica não lhe faltam.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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