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Sinopse

No inverno de 1820, o barco baleeiro de New England Essex foi atacado por algo que ninguém podia acreditar: uma baleia de imenso tamanho e determinação, e um sentido de vingança quase humano. As terríveis consequências do encontro levam a tripulação sobrevivente do barco ao seu limite, forçando-a a fazer o impensável para permanecer viva.

Crítica

Previsto para estrear originalmente em março de 2015, No Coração do Mar teve seu lançamento adiado até Dezembro do mesmo ano. A justificativa oficial é de que os executivos do estúdio teriam ficado impressionados com o longa do diretor Ron Howard a ponto de decidirem apostar nele para a temporada do Oscar. No entanto, qualquer um que acompanhe o mercado cinematográfico com maior atenção sabe que um atraso desses nunca é bom sinal. Talvez a explicação mais lógica seja que foi necessário mais tempo para adaptar o filme para exibições em 3D e em Imax (algo que pode render alguns – muitos – trocados a mais nas bilheterias, mas que não se justifica em cena). No entanto, o que se constata em cena é que talvez tenha sido exibido um maior cuidado com a edição e com os efeitos especiais, esforço vazio para tentar salvar um filme que apenas por si não encontra motivos suficientes que o justifiquem.

Este é o sexto longa dirigido por Ron Howard que é baseado em um fato real – assim como foram Uma Mente Brilhante (2001), que lhe rendeu os Oscars de Melhor Filme e Direção, e Apollo 13 (1995) e Frost/Nixon (2008), ambos também indicados ao prêmio máximo da Academia. No Coração do Mar, no entanto, carece daquela força propulsora que faça o enredo andar por conta própria, envolvendo o espectador de forma irreversível no processo. Aqui ele se reúne novamente com o astro Chris Hemsworth – que esteve no ótimo Rush: No Limite da Emoção (2013) – para contar a história que teria dado origem ao livro Moby Dick, de Herman Melville. Mais do que apenas narrar os eventos que deram origem ao clássico literário – já adaptado para o cinema por John Huston em Moby Dick (1956) – seu objetivo é mostrar os homens por trás deste incrível incidente. O artifício, no entanto, apesar de conter em tese os elementos necessários para se diferenciar da narrativa já conhecida, resulta em mero apêndice, dono de alguma curiosidade, mas no todo descartável.

Melville (Ben Whishaw) vai à procura de Thomas Nickerson (Brendan Gleeson), o único tripulante do navio Essex ainda vivo. Estamos no inverno de 1820, décadas após o ocorrido que o escritor busca ouvir a respeito. Naquela época, quando não passava de um garoto, Nickerson (agora vivido por Tom Holland) era apenas um órfão que teve a oportunidade de presenciar de perto o embate entre o capitão George Pollard (Benjamin Walker), filho de família rica, porém um novato em alto mar, e o Primeiro Imediato Owen Chase (Hemsworth), que apesar da pouca idade possui larga experiência na atividade, mas cujo posto principal na navegação lhe é negado por não possuir um sobrenome de tradição. Os dois partem no comando de uma viagem que deveria durar no mínimo um ano, e cujo objetivo é voltar com centenas de barris com óleo de baleia, o bem mais precioso até então – lembre-se, o petróleo e suas possibilidades ainda não haviam sido descobertos.

São baleeiros, e como tais o que buscam é matar baleias. Em tempos ecologicamente corretos como os de hoje, presenciar sequências de assassinatos marítimos de animais gigantescos, porém dóceis, chega a cortar o coração. É difícil se colocar ao lado destes marinheiros, por mais que saibamos que são como nós e estão apenas fazendo seus trabalhos. Como o protagonista chega a afirmar em certo momento, “isso é tudo o que sei”. Chase está ali para executar sua tarefa e voltar logo para casa. Pollard, no entanto, quer mostrar serviço, valor e uma competência que não possui. E será justamente esse orgulho exacerbado que selará o destino de todos, ao se depararem com uma baleia em especial que se recusará a seguir o mesmo destino das demais. E quando a luta inverte as posições, não será muito difícil imaginar quem sobreviverá para contar a história.

No Coração do Mar é um filme tecnicamente tão perfeito que ultrapassa a barreira da reconstituição histórica impecável e acaba resvalando no artificialismo hollywoodiano. A fotografia é constantemente verdejada, como se o marejado do ambiente tomasse conta de todos. A trilha sonora é constante, indissociável de cada acontecimento, indo além de sua função de apenas pontuar a trama para servir como reforço para cada incidente. Mas nada disso seria relevante se fosse entregue o que é esperado: um embate épico entre os pescadores e a natureza, entre homem e baleia. E isso acaba sendo tão passageiro que nem chega a constituir em um momento climático. Acontece, e com muito esmero, mas Howard parece mais preocupado com o antes e com o depois, mais com os personagens responsáveis do que pelo episódio em si. E é nisso que suas trajetórias acabam se mostrando não tão surpreendentes: há a cobiça, a ganância, a imprudência, o naufrágio, o abandono, o desespero pela sobrevivência, a falta de esperança, o sopro final. Comovente, claro. Mas nada que já não tenha sido visto antes.

Vendida como uma aventura de orçamento inflado e de deixar os sentidos de qualquer um anestesiados pelo exagero, No Coração do Mar acaba indo no sentido contrário, preocupado mais com sentimentos e motivações que, infelizmente, não possuem profundidade suficiente para se tornarem convincentes. Chris Hemsworth está adequado como esse líder em conflito – afinal, seu porte heroico disfarça com eficiência uma falta de detalhamento psicológico – mas há pouco a ser dito além do óbvio: o ser humano ainda é muito pequeno diante as maravilhas deste mundo. E se essa lição fazia sentido dois séculos atrás, continua pertinente hoje em dia. E entre o previsível e a falta de coragem de apostar no espetáculo, o longa resulta no oposto destes desbravadores: pequeno e pouco destemido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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