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Sinopse

Em , de Laís Melo, Glória consegue se separar e se muda levando consigo as filhas e o desejo de recomeço. Enquanto tenta fazer da nova casa um lar e de seu corpo uma morada, ela enfrenta, no chão da fábrica, a delicada disputa por uma vaga de supervisora entre colegas e sua melhor amiga. A coragem vai se fazendo conforme a angústia toma a carne. Drama.

Crítica

Ouviu-se falar de Laís Melo pela primeira vez quando a cineasta apresentou o curta Tentei (2017) na mostra competitiva do Festival de Brasília, de onde saiu com os Candangos de Melhor Filme e de Melhor Atriz – entre outros – sendo esse para Saravy. Foi a primeira parceria das duas, que agora se desdobra em um formato mais ambicioso com o longa-metragem . Os dois projetos são desdobramentos de uma mesma ideia. Se o primeiro se concentrava na busca dessa mulher por justiça após desistir de um relacionamento abusivo e violento, agora é chegada a vez do que acontece depois de um suposto assentamento dos ânimos. O casal está separado. Restam os sentimentos partidos e as consequências daquilo que ambos chamaram de amor: os filhos. No caso, três meninas de diferentes idades, da caçula, ainda criança, à mais velha, adolescente e se preparando para a faculdade. Mas o que deveria estar resolvido ainda perdura como um empecilho a ser superado, tratado, vencido. O título do filme vai direto ao ponto, tanto no contexto dramático, como na manifestação física. Essa quebra de expectativa pode chocar, na mesma proporção em que se mostra urgente.

Saravy tem se confirmado uma intérprete cada vez mais disposta a assumir riscos por meio de uma naturalidade contagiante. Após desempenhos de destaque em O Estranho (2023) e, principalmente, em A Felicidade das Coisas (2021), ela retorna à condição de mãe, sem nunca deixar de ser também mulher. Glória está na luta, desde a hora em que acorda até o momento em que, enfim, prega os olhos no final do dia. Trabalha cedo em uma fábrica de alimentos, cuida da casa, tenta ser um exemplo e dar atenção às três filhas, é presente ao lado dos colegas e, ainda quando possível, relaxa em encontros de confraternização com vizinhos ou amigos. Mas questões além do seu controle passam a afetá-la. A possibilidade de uma promoção no emprego a coloca em rota de colisão com suas parceiras de trabalho mais próximas, pois acabam tendo que competir entre si pela única vaga anunciada. Se isso já se mostra tenso, o anúncio de que o ex-marido entrou na justiça para exigir a guarda total das filhas deixa tudo ainda mais instável. Ela erra, ela se engana, ela sabe que pode ser melhor. Mas em nenhum momento deixou de tentar, por mais que saiba lhe ser impossível vez que outra. Porém, a pena a ser paga parece ser alta demais pelos tropeços que, como humana, é capaz de apresentar.

20250817 filme no lais melo papo de cinema

Há muita vontade em fazer de mais do que apenas um filme, mas, sim, um manifesto de como ver o mundo e do quão erradas tais decisões podem se mostrar quando apressadas ou desequilibradas. Nessa sua estreia em um discurso mais longo, por vezes Laís Melo incorre no desabafo prolixo, quase ativista, que ressoa forte entre os já catequisados, mas dificilmente irá superar a resistência daqueles estranhos ao tema. Uma abordagem sutil talvez mostrasse maior eficiência justamente por conquistar pelo andar sem bandeiras que denunciassem tal aproximação antes do estritamente necessário. Essa mulher que carrega o mundo nas costas por vezes irá desabar, fugir, correr sozinha por uma rua deserta como se o fim estivesse por demais próximo. Mas é só mais um dia, tanto de frustrações, como de vitórias. Saravy é precisa nesse desenho. O retrato que oferece dessa mãe, mulher e indivíduo vai além de definições superficiais. O baixar de olhos diz mais do que qualquer depoimento emocionado. O trato com as filhas, o pedido de um abraço antes do sono chegar, o envolvimento que constrói e solidifica uma relação de afeto e autoridade. Ela recusa uma ou outra definição. É mais do que isso, ao mesmo tempo em que não deixa de assumir cada um destes papeis.

Se alguns dos temas poderiam ser melhor desenvolvidos – retiram-se tantas informações sobre o homem que se comportava como criança e se recusava a aceitar o fim, que a insistência dele em persegui-la termina por soar mais como birra do que uma atitude até mesmo psicótica – estará na atuação arrebatadora da protagonista o pilar que sustenta a narrativa. O caroço que surge nas costas de Glória, que atravessa o peito, colocando-se entre os seios, e quando transborda se revela dourado e luminoso, é mais do que uma mera representação de um diálogo interrompido, um suspiro engolido à força, um respiro que não chega a se concretizar. É a explosão de anos de repressão, de silenciamento, de uma angústia que tanto esperou encontrar espaço para ter vazão. O de Laís Melo e tal qual sua personagem: imperfeita, falha, problemática. E por isso mesmo cativante e envolvente, permanecendo com a audiência por muito mais do que a duração de uma mera sessão de cinema.

Filme visto durante o 53º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2025

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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