Crítica


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Sinopse

Acometida por um vazio existencial enorme, a advogada Victoria encontra um velho amigo e um ex-cliente numa festa de casamento. Uma acusação de assassinato vai faze-la trabalhar para inocentar alguém enquanto se reinventa.

Crítica

Victoria (Virginie Efira) é uma típica advogada workholic. O trabalho lhe toma grande parte da rotina, não restando muito tempo para cuidar das filhas, atividade, então, frequentemente terceirizada. Tampouco sobra espaço a uma vida amorosa plenamente satisfatória. Na Cama com Victoria apresenta essa mulher em meio a diversos processos caóticos, alguns fomentados por sua frieza na condução dos relacionamentos. Na festa do casamento de um amigo, ela encontra Sam (Vincent Lacoste), ex-cliente livrado judicialmente da condenação por tráfico de drogas. Alegando regeneração, ele solicita uma oportunidade para ser seu assistente pessoal, o que vem bem a calhar, pois, não fosse todo o resto, ela ainda é convocada a representar legalmente o amigo acusado de tentativa de assassinato durante a comemoração do enlace. Temos um filme, às vezes, demasiadamente dividido entre as esferas jurídica e sentimental, ainda que abertamente tente fazer da primeira um apêndice da segunda.

Um ponto positivo é o fato da diretora Justine Triet sequer esboçar condescendência. Victoria é concebida exatamente a partir de suas dificuldades, em várias áreas. Enquanto enfrenta um dilema, o de representar ou não o suspeito que lhe é próximo, ainda lida com a recente atividade de blogueiro do ex-marido, especificamente com escritos comprometedores, baseados na confidencialidade de certos casos seus. Na Cama com Victoria, assim, se vale de duas contendas forenses correndo em paralelo, aquela em que a personagem interpretada por Virginie Efira defende os interesses de outrem e a na qual ela parte ao ataque, por sentir-se lesada. As passagens que concernem a ambos os trâmites são desenvolvidas no limite entre a total ausência e mínima representatividade, cumprindo, no máximo, função de interlúdio ou pretexto. Já as dinâmicas sentimentais de Victoria são mais bem exploradas, com um desenho esforçado do vazio resultante de suas interações mecânicas com homens que, claramente, buscam prazeres efêmeros no sexo, sem atentar aos sinais óbvios do desinteresse feminino.

Contudo, mesmo sendo visíveis os esforços da diretora para abordar complexidades e questões fora do eixo ordinário, Na Cama com Victoria se ressente da falta de tônus dramático, decorrência do caráter dispersivo do longa. Perde-se um tempo significativo reiterando temas e consequências, como a impossibilidade de Victoria de se conectar devidamente. Aliás, esse traço importante é tratado na trama como algo substancial apenas no enunciado, pois a sensação de gravidade e/ou urgência de mudanças não é reproduzida além das palavras. Sam supostamente é uma figura encarregada de provocar uma ruptura vital nesse círculo vicioso da protagonista. Embora vejamos seguidas ocasiões em que ele se apresenta como uma peça capital à difícil missão, o acúmulo de ocorrências colaterais, muitas delas ligadas aos casos jurídicos, provoca um enfraquecimento considerável de sua atuação como um ponto fora da curva no cotidiano assoberbado e ligeiramente anódino de Victoria.

Justine Triet evidentemente tenta se distanciar de um modelo recorrente no cinema, que dá conta de, antes, deflagrar um percurso errático ou repleto de vícios, para, depois, pavimentar um caminho de transformação necessária à protagonista, caso ela queira desfrutar de uma vida menos triste e incompleta. Contudo, a cineasta é tragada ao centro gravitacional dessa estrutura clichê, principalmente porque os enxertos não funcionam como deveriam. A trajetória acidentada de Victória é mais banal do que parece. Os componentes atípicos, tais como o motivo do litígio com o ex-marido ou a complicação de cunho profissional, não adquirem contornos espessos, permanecendo como simples adereços. Dessa maneira, Na Cama com Victoria, apesar do carisma das pessoas em cena, da empatia devidamente gerada, sobretudo pela interpretação de Virginie Efira, acaba ficando refém de protocolos que nos permitem presumir, senão situações específicas, o desfecho deste filme aferrado a fórmulas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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