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Sinopse

Um bancário resolve assaltar o banco onde trabalha como uma forma de reparar a sua juventude perdida. Na noite da execução do crime, ele encontra um faxineiro com quem estabelece uma relação tensa que mudará tudo.

Crítica

Na Boca da Noite, terceiro longa-metragem dirigido por Walter Lima Jr., lançado em 1971, não esconde suas origens teatrais. Baseado na peça O Assalto, de José Vicente, o texto adaptado por Lima Jr. preserva a força dramatúrgica dos diálogos do autor, mantendo boa parte da ação dentro de um banco – mudando um pouco o cenário dentro do próprio estabelecimento, mas não extraindo seus personagens de lá – e filmando diversos planos-sequência, deixando seus atores mergulharem na persona de seus papéis, sem as tradicionais interrupções para planos e contraplanos. Embora tenha essa verve teatral e pague tributo a isso, Na Boca da Noite não é teatro filmado. Lima Jr. constrói uma interessante montagem não linear, que nos dá pistas do que veremos a seguir desde o início do longa. O barulho da máquina de escrever dá espaço às sirenes – seriam de uma ambulância ou da polícia? Logo saberemos, com o desenrolar dessa história cheia de cobiça e desejo, estrelada por um bancário e um faxineiro.

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A peça foi escrita em 1967, durante a Ditadura Militar, e foi o primeiro texto encenado por José Vicente, que já havia tido um texto recusado pela censura. Ousado para época, tanto por tocar em temática homossexual, mas também por apontar a câmera para um roubo de banco, algo que se tornava comum por grupos de guerrilha, a peça foi encenada em 1969 e se transformou em filme apenas 2 anos depois. Encabeçando o elenco do longa-metragem, Rubens Correia vive o bancário Vitor, enquanto Ivan Albuquerque interpreta o faxineiro Hugo. Na trama, com a corda no pescoço e sem mais nada a perder, Vitor decide roubar o banco em que trabalha, depois de seu expediente. Com uma mala a tira colo, o bancário faz a extração do dinheiro do cofre, mas o faxineiro do turno está nas imediações e pode atrapalhar seus planos. Tendo interesse sexual no rapaz, Vitor começa a puxar conversa com ele, lhe oferecendo cigarros, dinheiro e qualquer coisa que interrompa o seu trabalho, para que o faxineiro lhe dê atenção. Uma estranha relação se abre entre aqueles dois homens sozinhos no banco, com cada um conhecendo segredos do outro.

A força de Na Boca da Noite está no texto, com diálogos fortes e muito bem interpretados por Correia e Albuquerque. O primeiro vive um personagem cansado das dissimulações do dia a dia, de ter de responder a um chefe que detesta, de ter de esconder suas verdadeiras paixões. Jogando tudo para o alto, busca no dinheiro do banco uma forma de receber por tudo o que já sofreu. Ao olhar Hugo varrendo o chão, tendo de limpar as privadas da chefia, o bancário tem uma epifania. Oferece dinheiro para ter companhia naquele momento, ao observar que Hugo não responde bem à sua conversa. O faxineiro tem família e só deseja terminar o serviço e ir embora. Tem outro banco para limpar, quando não realiza outros trabalhos – prostituição, dentre um deles. Com as cartas na mesa, cada um tenta fazer com que o jogo vire para o seu lado. Uma interessante inversão de papéis acontece no terceiro ato, com um desfecho cruel e que conversa bem com a trama até ali construída.

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Walter Lima Jr. capricha na construção sonora do longa-metragem. Tanto os sons de sirene que permeiam o filme, tanto na trilha incidental, um jazz com solos de saxofone estridentes, passam a ideia de não deixar o espectador confortável, demonstrando que algo fora dos padrões acontecerá naquele banco. Na Boca da Noite é mais um bom trabalho daquele momento do cinema nacional em que seus profissionais bebiam na fonte da Nouvelle Vague, de um estilo de cinematografia urbano e independente. Essa junção de influências e temáticas – cinema francês, teatro brasileiro, crítica social – fazem deste longa de Walter Lima Jr. um exemplar legítimo (e excepcional) do que chamamos de Cinema Novo.  

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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