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Sinopse

Quando a Segunda Guerra Mundial está prestes a ser declarada, oficial britânico Hugh Legat e o diplomata alemão Paul von Hartmann viajam à capital germânica numa tentativa de contar diplomaticamente o confronto.  

Crítica

Ao se apropriar de um episódio que viria a se tornar notório, ou o realizador opta por uma interpretação realista (como Bryan Singer fez em Operação Valquíria, 2008), ou aposta na irreverência (tal qual Quentin Tarantino em Bastardos Inglórios, 2009). Em ambos os casos, o argumento se baseia em uma tentativa de eliminar aquele que provavelmente esteja perpetuado nos livros de história como “o maior vilão do século XX”: Adolf Hitler. Se no primeiro a tentativa é fadada ao fracasso – afinal, é sabido que o ditador permaneceu no poder até o fim (como Oliver Hirschbiegel tão bem encenou em A Queda, 2004) – no segundo há um evidente desprendimento da realidade, o que lhe permite voos mais audaciosos – vide o desfecho oferecido pela trama. Em Munique: No Limite da Guerra, Christian Schwochow está mais próximo de Singer do que de Tarantino, ao se centrar em um viés clássico, até mesmo comedido, de fatos que uma rápida conferida na Wikipedia seria suficiente para colocar qualquer um a par. Essa incômoda previsibilidade se revela fatal para qualquer leitura que o longa poderia ambicionar.

Leva-se exatamente uma hora para que os personagens cheguem na Munique do título. Esse tempo é gasto tanto na preparação do cenário como no levantamento de razões para o que se verá a seguir – como se fosse preciso. Diferentemente do filme homônimo de Steven Spielberg, ambientado nos anos 1970, esse No Limite da Guerra se passa em 1937, dois anos antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. Na maioria das abordagens, o que é levado às telas pode, erroneamente, passar a ideia de que tanto os judeus (alemães dentro do país) quanto os Aliados (cidadãos do exterior) foram pegos de surpresa pela fúria sanguinária dos nazistas. A verdade indica, porém, que pelo menos desde o início dos anos 1930 o comportamento de Hitler e de seus asseclas era motivo de preocupação para os mais atentos. É como se um deputado, ao longo de quase três décadas de atuação, nunca tivesse feito nada além de declarar bobagens e despropósitos por onde passasse e, ao ser eleito para o cargo mais importante do país, seguisse com a mesma postura irresponsável e manipuladora de antes. Ninguém poderia dizer: “puxa, nunca imaginei que ele fosse assim”, não é mesmo? Basta estar de olhos abertos. Tanto hoje como há quase um século.

Um dos recursos mais comuns do cinema é mover o ponto de vista daqueles em posição extraordinária para alguém próximo, que ao mesmo tempo tenha acesso ao que de extraordinário está ocorrendo sem, no entanto, ter o fardo de carregar esse peso nas costas. Se o embate aqui retratado se deu entre o primeiro-ministro britânico, Neville Chamberlain (Jeremy Irons, que mesmo com tão pouco em mãos é capaz de oferecer uma humanidade quase insuspeita a um tipo austero e distante), e o próprio Hitler (Ulrich Matthes, que no citado A Queda interpretou Joseph Goebbels, e dessa vez cai fácil no estereótipo de uma figura caricatural), os verdadeiros protagonistas da trama desvendada por Schwochow são Hugh Legat (George MacKay, que vai da temeridade pelo que pode vir a acontecer a uma presença de respeito com segurança), secretário da delegação inglesa, e Paul von Hartman (Jannis Niewöhner, que havia trabalhado com esse mesmo diretor em Je Suis Karl, 2021), tradutor do alto escalão alemão. Após terem frequentado a mesma faculdade, cada um foi parar em lados opostos da diplomacia, mas enquanto para um tudo não passava de uma possibilidade, para o outro, mais embrenhado das intenções germânicas, o talvez era só uma questão de quando.

Porém, se para quem olhava de fora os dois estavam em lados opostos da questão, o que se verificava entre eles era uma tentativa de colaboração e espionagem: o inglês deveria coletar com o amigo importantes documentos que pudessem incriminar o chanceler alemão. O reencontro se deu durante o que se ficou conhecido como o Acordo de Munique, quando Chamberlain foi até Hitler para que um tratado de paz entre os dois fosse assinado. O primeiro saiu de lá com a certeza de que havia sido colocado um ponto final em qualquer animosidade. Para o segundo, tratava-se de um gesto sem importância, como a História comprovou logo em seguida. E se nos bastidores desse “teatro mal encenado” eram os anônimos, como Legat e von Hartman, que se esforçavam para evitar que o pior viesse a acontecer – como, de fato, acabou ocorrendo – o certo é que, pela construção narrativa assumida, nada do que viessem a alcançar no campo ficcional teria efeito prático, uma vez que é sabido o desfecho do que aqui começou a se desenhar.

Munique: No Limite da Guerra nada mais é do que sobre como Hitler fez de tolo Chamberlain – e do resto do mundo – por anos até que, enfim, revelasse suas reais intenções. E se apontar para o óbvio está longe de ser suficiente para garantir um interesse maior, a situação se complica a partir do momento em que as liberdades criativas se deram não no âmbito que poderia surpreender, mas no aspecto mais íntimo. Hartman e Legat são personagens ficcionais, mas inspirados no diplomata Adam von Trott zu Solz e no professor AL Rowse. Os dois estudaram juntos em Oxford e Trott realmente se envolveu em uma conspiração que visava matar Hitler, em 1944, mas que, quando descoberta, o levou a ser executado. Sabe-se desses eventos através do relato de Rowse, homossexual assumido que escreveu, anos depois, sobre a paixão platônica que tinha pelo colega e sobre a amizade dos dois. Legat, que seria baseado nele, em cena é visto não apenas casado e pai de família, mas também tendo sua pele salva por um flerte de ocasião. A orientação sexual dele não só foi alterada, como também vista, nessa nova interpretação, como motivador de suas ações. Uma distorção intencional, suficiente para tornar um quadro irregular ainda mais problemático.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Leonardo Ribeiro
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