Crítica


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Sinopse

Para tentar encontrar um mundo perdido, um casal de aventureiros se arrisca numa viagem intergaláctica.

Crítica

Há quem ainda não reconheça o enorme potencial da animação brasileira. E esse ceticismo somente é aceitável se justificado pela ignorância a respeito do nosso cenário, sobretudo o dos últimos anos. Chegar ao público continua sendo um dos principais desafios dos filmes feitos no Brasil, ainda mais das animações que dificilmente têm verba suficiente de divulgação ou mesmo para garantir um espaço adequado no circuito exibidor. No entanto, basta uma breve pesquisa sobre as produções animadas feitas recentemente por aqui para detectar uma considerável riqueza de enfoques e estilos. Mundo Proibido é o novo indício dessa diversidade que conta com exemplares infantis, adultos e agora tateia o terreno das aventuras espaciais infantojuvenis. Os protagonistas do longa-metragem dirigido por Alê Camargo e Camila Carrossine são Fujiwara Manchester (voz de Pierre Bitencourt) e Lydia Moshivah (voz de Shallana Costa), casal de exploradoras que vagam pelo cosmos em busca de oportunidades de enriquecimento. De cara, sobressai a qualidade da animação e a beleza dos cenários, bem como o cuidado com as texturas de personagens e ambientes. O casal principal é construído a partir de arquétipos e convenções visuais. Ele é o típico aventureiro de queixo quadrado, bonitão e deliciosamente irresponsável – parecido com certos heróis de filmes da Disney. Já ela é uma mulher independente e habilidosa.

Fujiwara e Lydia são apresentados como uma dupla sexy (há até uma cena em que ambos são vistos parcialmente nus) que não sucumbe diante dos riscos. Depois de encontrar um artefato misterioso, os dois são informados de que o estranho objeto é um mapa do tesouro escondido num planeta desconhecido. Nesse ponto, é possível perceber que boa parte da criatividade da produção foi aplicada no visual, colocada a serviço da representação de elementos caros ao imaginário da ficção científica – naves, inteligências artificiais, planetas, monstros e outras civilizações –, e que deixa a desejar no aspecto humano. Alê Camargo e Camila Carrossine não se detém na elaboração das motivações dos personagens, tampouco em suas fragilidades que podem colocar a missão em risco. Fujiwara é metido a fazer gracinhas e ter atitudes intempestivas que frequentemente levam ao êxito das tarefas, mas não há o desenvolvimento daquilo que motiva esse comportamento errático que o define superficialmente. De modo semelhante, Lydia nunca é trabalhada como figura complexa, embora haja a sinalização de que deseja ter uma vida menos atribulada ao lado de seu amado. Quando ele cita a falta de vontade de ter filhos, ela demonstra certa melancolia. No entanto, a distância entre os desejos dos dois não é devidamente explorada ao longo da trama bem mais preocupada com os efeitos da ação.

Quando o casal principal encontra a pequena Zi (Giulia Brito), fica evidente a formação de uma família postiça. Isso poderia servir para despertar um insuspeito lado paternal no aventureiro e/ou corroborar as intenções da companheira. No em tanto, o andamento de Mundo Proibido não prevê atenção a esse tipo de compreensão. A menina incendiária serve tão e somente como uma desculpa para diversificar um pouco as situações e, apenas em uma cena, demonstrar a sua importância à missão que ensaia utilizar a lógica dos filmes de assalto. Sabem aquelas histórias em que é preciso arrombar um local duramente vigiado para cumprir um objetivo, nas quais são fundamentais talentos específicos que criam a necessidade de uma equipe? A ideia geral do longa-metragem parecia ser reproduzir algo nessa linha, mas as habilidades de cada membro desse time de desajustados não são enfatizadas no decorrer do enredo. Desse modo, o arrombamento é protocolar, dramaticamente pobre, feito de gestos e circunstâncias simples que não refletem os aspectos fundamentais das personalidades dos envolvidos. Com isso há uma perda considerável de profundidade. Nem mesmo o vínculo emocional com a nave chamada Cara-de-Cavalo (voz de Alê Camargo) é suficientemente trabalhada. Assim, o impacto dramático da possível separação é praticamente inexistente, pois o vínculo não foi "cozinhado".

Mundo Proibido é uma aventura infantojuvenil de visual interessante e tecnicamente admirável. Trata-se de uma nova demonstração de competência da animação feita no Brasil. No entanto, é como se os criadores tivessem apostado todas as cartas, justamente, nessa comprovação de qualidade e aptidão visual, mas se esquecido de criar personagens mais do que superficialmente carismáticos e com pouca espessura emocional/psicológica. Um dos indícios disso é o fato de que Alê Camargo e Camila Carrossine não concebem o vínculo emocional de Fujiwara e Lydia, ao ponto de nos esquecermos de que eles formam um apaixonado par romântico. E essa falta de desenvolvimento é primordial à inconsistência no encerramento em que a ruptura parece a única possibilidade de ambos serem felizes. Essa noção de que os dois procuram coisas distintas e, mesmo se amando, estão fadados a separação não é estruturada no filme, sendo apenas enunciada no começo e soterrada pela ação desenfreada até acontecer. Assim como o suposto despertar de uma paternidade, possibilidade sugerida e nunca formulada. Outra coisa curiosa é o despertar da consciência do povo nativo. Enquanto acreditam em trens como deuses, eles vivem seminus e cultivando as suas raízes (num claro paralelo com as populações indígenas). Uma vez libertados da ignorância, passam a utilizar roupas, parafraseando a bíblica cristã, “a fim de cobrir as suas vergonhas”. O contrário não seria mais eficiente como mensagem de alforria?

Filme visto durante o 19º Fantaspoa, Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, em abril de 2023

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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