O Intrépido
Crítica
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Sinopse
Imaginemos que existe uma nova ocupação, chamada “reposição”. Vamos imaginar também que existe um homem desempregado que a pratica diariamente. Ele não faz nada além de substituir, às vezes apenas por algumas horas, alguém que teve que se ausentar de seu emprego oficial. Ele se contenta com pouco, mas dinheiro não é tudo na vida: ainda existe a necessidade de manter-se em forma e não se deixar perder num momento de crise. Vamos imaginar que existe, também, um rapaz de 20 anos, seu filho, que toca o saxofone divinamente e tem muita sorte em ser um artista. E ainda há Lucia, que esconde um segredo por trás de seu desejo de subir na vida. Será que eles conseguirão chegar ao próximo capítulo sãos e salvos?
Crítica
Adjetivo para aquele que não trepida, que não tem medo, intrépido é tão adequado para título de filme quanto o unicórnio para as categorias da biologia. Não à toa, o novo trabalho do italiano Gianni Amelio, diretor de O Ladrão de Crianças (1992) e As Chaves da Casa (2004), chegou ao público americano como The Lonely Hero (o herói solitário, numa tradução literal).
Exibido em competição no Festival de Veneza desse ano, o longa acompanha o cotidiano de Antonio Pane. Por volta dos 50 anos, o imigrante albanês vive em uma Itália em crise, aceitando todos os empregos que lhe oferecem. Em determinada cena, o Pane entregador de pizza vai a uma alfaiataria a trabalho. Na oportunidade, demonstra seu talento para a costura e sai de lá contratado – com mais um emprego. Entre um ofício e outro, passamos da construção civil à venda de rosas, descobrimos a delicada relação mantida entre o protagonista e o filho Ivo (Gabriele Rendina), estudante do conservatório de música.
Escrito pelo diretor em parceria com Davide Lantieri e inspirado na série em quadrinhos lida por Amelio na infância, o roteiro constrói um personagem inusitado – talvez o único possível – para confrontar a situação econômica e social da Europa de hoje. O herói solitário – como bem captou o título americano – não seguirá o caminho tradicional, em que o árduo sacrifício o levará à redenção. Pelo contrário. Em uma sociedade decaída, o homem sem talento, vítima da existência e das condições, está fadado a não conseguir recompensa. O esforço é insuficiente para redimi-lo, pois não há salvação; a ação apenas o mantém ativo, como no mito de Sísifo. Não importa que trabalhe três turnos, que economize os centavos ou que seja o mais eficiente. Feito um Midas ao contrário, tudo o que o protagonista toca se desfaz, como o relacionamento com Lucia (Livia Rossi), terminado de forma trágica. Apesar do empenho, ao incansável Pane sempre restará, prestes a deitar a cabeça na cama, a simbólica vergonha – o fracasso inenarrável – de pedir dinheiro ao filho.
A escolha de Antonio Albanese (Para Roma com Amor, 2012) para o papel principal não poderia ter sido mais acertada. Ator italiano clássico, de técnica e traços marcantes – impossível não se lembrar dos trejeitos de Roberto Benigni frente aos horrores em A Vida é Bela (1997) e O Tigre e a Neve (2005) – Albanese constrói Pane na medida exata, com uma expressão à la Buster Keaton, entre o humor e o drama; digna de pena, mas também de admiração.
Entretanto, o personagem de Pane não é o único herói solitário. Pois o é ainda mais Albanese, trunfo e pilar de sustentação do filme, desamparado diante de um roteiro frágil e lacunar. Conforme a história avança, percebemos a dificuldade que o enredo encontra em desenvolver a trama por completo. As poucas vezes em que busca desenvolver personagens secundários, falha. Apesar das tentativas, a relação com o filho e a culpa atribuída ao pai são exploradas superficialmente, bem como o passado com a ex-esposa, a quem conhecemos em uma cena isolada, próxima ao acender das luzes. A circunstância pontual, longe de contribuir, parece ter sido incluída mais por obrigação, desencargo de consciência, do que pela função que exerce.
Desta forma, a trajetória de Pane está em sintonia – de maneira negativa – com a esquisitice do título. Sem aprofundar suas intenções, Amelio poda o rumo do seu herói, especialmente pelo retorno enigmático ao país natal. Com isso, abre mão do bom potencial do filme ao colocá-lo sob um céu nebuloso, cheio de promessas e poucas realizações.
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