Crítica


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Sinopse

Embora ainda bastante jovem, Eric descobre que tem poderes extraordinários. Num dia, ele acaba acidentalmente matando um homem enquanto se esconde na floresta.

Crítica

Há criadores que tentam pensar a lógica dos super-heróis, a atual dominante do cinema comercialmente massivo, dentro de perspectivas mais “realistas”. O que aconteceria se alguém com poderes sobrenaturais aparecesse? Religiosos tentariam se apropriar dessa existência para autenticar a verdade das doutrinas? Em Mortal, o cineasta André Øvredal responde apenas parcialmente tais indagações, pois parece praticamente avesso a mostrar os efeitos sociais do surgimento de alguém extraordinário. O filme demora a engrenar, passa tempo demais apresentando Eric (Nat Wolff) como uma esfinge, homem que vive marginalizado na floresta, apartado da civilização. Ele sonha com árvores em chamas, mas acorda solitário em sua barraca improvisada. Ao levantar parcialmente a calça, deixa-nos ver uma chaga enorme na perna. Queimadura grave? Gangrena? No fim das contas, se trata do componente para tentar colocar uma pulga atrás da orelha do espectador. Porém, à medida que a trama avança, é sufocante a displicência com a constituição do suspense, do romance, do horror, enfim, das possibilidades que, assim, se perdem até fazer do resultado não mais que medíocre.

Eric, sobrevivente de uma tragédia – que todos conhecem nas cercanias –, volta a ser notícia quando mata um adolescente que o estava importunando. A polícia, a mídia a e opinião pública olham para ele novamente, transformando-o numa vítima das atenções. A única pessoa que parece querer compreendê-lo é Christine (Iben Akerlie), psicóloga encarregada de seu caso. Depois da chegada dessa personagem, André Øvredal aposta todas as fichas num surrado vínculo emocional entre cuidadora e fugitivo, apelando a uma dinâmica bastante aproveitada antes no cinema, de modos bem mais intensos e com repercussões melhores. É difícil “comprar” que haja realmente uma paixão em curso, pois os intérpretes são entrevados constantemente pela fragilidade do texto e a encenação que não favorece a elaboração de um elo genuíno. O realizador insiste em fomentar os mistérios (Quem é Eric? Por que é capaz de controlar raios e trovões?), mas transforma o entorno numa caricatura sem personalidade. Policial ajudante, algoz inescrupulosa, amor inesperado, tudo parece integrar uma paródia involuntária. Os arquétipos não são questionados, subvertidos ou abordados com propriedade.

Mortal tem sequências repletas de efeitos especiais de qualidade duvidosa. Quando Eric se sente encurralado, dá-lhe tempo fechando e tempestades elétricas ameaçando antagonistas. André Øvredal acredita piamente que basta colocar uma pessoa com origem desconhecida, munida de capacidades super-humanas, para o espectador ficar esperando pacientemente o instante da revelação pretensamente bombástica de sua natureza. Nesse meio tempo, não investe nos coadjuvantes, não abre o escopo para compreender minimamente a sociedade local, como que deixando tudo em ponto morto descendo a ladeira, confiando basicamente no apelo da premissa. Passados dois terços do enredo, alguém conjectura, a partir das características do protagonista: “Eric é Thor”. Abruptamente, como se premiasse o figurante que atirou na versão mais improvável, André Øvredal começa a mostrar que a elucubração pode ter algum sinal de verdade. Sem mais aquela, com a pressa de quem tem menos de 20 minutos para encerrar o longa-metragem, ele lança mão da mitologia nórdica para justificar o que vimos até então. Um movimento desajeitado, tardio e incapaz de ressuscitar o filme.

Uma cena representa bem a debilidade da direção e a displicência com o crescendo dramático das situações. Eric é estudado numa máquina de ressonância magnética e tem um surto elétrico que derruba a energia do prédio. Imediatamente, do nada, surge uma enfermeira dizendo que há uma criança prestes a morrer por falta de desfibrilador. Claro que o protagonista, num ato heroico existente apenas para provar que tem bom coração, se esquece de tudo e resolve salvaguardar a vida do menino com boas doses de melodrama barato. Para que a utilização da mitologia nórdica fosse uma jogada bem-sucedida, o realizador precisaria ter irrigado previamente esse terreno com algo que nos deixasse intrigados. Da forma como procede, bruscamente, acaba oferecendo uma surpresa vazia e insossa. Os personagens chegam a conclusões partindo de indícios insustentáveis – a palavra “fazenda” e a localização norueguesa são suficientes para alguém cravar o que está acontecendo. Os vínculos são mal costurados, a construção da expectativa é um processo frequentemente autossabotado e rapidamente o desinteresse se instaura como efeito colateral que nem certo martelo alivia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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