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Sinopse

Fei se muda para cidade grande e começa a trabalhar como garoto de programa. Quem o inicia nesse mundo é Xiaolai, que entra numa briga para defendê-lo de um cliente abusador, e por isso acaba preso. Com a separação, os dois se afastam, e ficam anos sem se ver. Nesse período, Fei se aproxima de Long, um conhecido do mesmo vilarejo de onde ele veio, e eles acabam se envolvendo. No entanto, quando reencontra Xiaolai, seus sentimentos ficam ainda mais confusos.

Crítica

Não estamos todos vendendo os nossos corpos, de um jeito ou de outro?”, questiona Long ao seu melhor amigo, Fei, quando este o manda embora, de volta para o interior de onde os dois saíram, e dessa forma desistir de seus sonhos de conquistar uma vida melhor. A pergunta, como se percebe, é bastante direta, mas também esquemática: sua intenção é provar um ponto, a de que a prostituição não representa uma vergonha tão grande quanto os dois foram levados a acreditar por uma criação movida por costumes antigos e padrões ultrapassados. Ainda assim, o tabu é forte, ainda mais por se tratarem de dois rapazes. Há muito entre eles a ser acertado. E as respostas, que deveriam ser tão complexas quanto tais dúvidas, acabam resumidas em respostas simples. Como, por exemplo, a imagem seguinte ao diálogo aqui transcrito, quando, ao saírem de casa, se deparam com uma artista de rua que ganha a vida executando performances físicas – ou seja, assim como eles, fazendo uso do próprio corpo. A analogia, portanto, é óbvia. Infelizmente, assim como muitos dos debates levantados por MoneyBoys.

O título diz logo a que se propõe: o longa escrito e dirigido pelo realizador chinês C.B. Yi (“nome artístico” de Chen Bo Yilin) mergulha no universo dos garotos de programa. Apesar da nacionalidade do cineasta, a trama é ambientada em Taiwan, enquanto que o longa foi financiado por investidores europeus da Áustria, França e Bélgica. Ou seja, ainda que o caráter seja oriental, a linguagem empregada é mais ampla, em especial voltada a um espectador ocidental – e, portanto, mais comedida em sua relação com o sexo. Tanto é que, apesar da profissão dos personagens, praticamente não nudez, e mesmo as sequências de sexo são bastante pudicas, comportadas até, mostrando apenas o mínimo necessário para que se entenda o que está acontecendo. Diferente de muitos longas de fato orientais, acostumados a lidar com esse tipo de representação de modo mais aberto e sem tantos desvios. Trata-se de rapazes que ganham a vida transando com outros homens, em uma troca objetiva de orgasmos por dinheiro. No entanto, o enredo que os envolve se aproxima mais das romances açucarados, apostando no melodrama e em coincidências que parecem ser possíveis apenas no mundo da fantasia.

Com quase duas horas de duração, MoneyBoys apresenta um prólogo de menos de dez minutos que serve tanto para permitir um maior entendimento a respeito da personalidade fechada de Fei, como também sobre sua relação com Xiaolai. Os dois são interpretados, respectivamente, por Kai Ko e JC Lin, que podem ser vistos mais uma vez juntos na minissérie Minha Vez de Amar (2024), recém lançada pela Netflix. Chama atenção como, mesmo com menos tempo em cena, Lin é capaz de oferecer uma personalidade mais complexa que a do seu colega, indo da posição de mestre a de amante sem tropeços, proporcionando compreensão mesmo diante das atitudes mais inesperadas. É o contrário do que se vê na performance de Kai, que confunde apatia com desilusão. Ao invés de gerar interesse pelo ocaso ao qual se vê relegado, tudo que consegue emular é desânimo e indiferença, como se nada mais importasse. Seus sentimentos precisam ser ditos, caso contrário não chegam até o tecido narrativo. Por outro lado, a performance capaz de realmente despertar curiosidade é a de Bai Yufan (Cidade Madura, 2023). Long é um garoto inocente que aos poucos vai abrindo mão de suas inseguranças e mostrando o que, de fato, é capaz. Ele é quem deveria estar no centro dos acontecimentos, e não se mostrando apenas como um suporte aproveitado quando necessário, mas descartado logo assim que sua serventia não mais se reconhece.

Como se percebe, trata-se de um triângulo amoroso. Fei é guiado por este mundo pelas mãos de Xiaolai, mas logo se sente confiante o suficiente para caminhar com os próprios pés, ignorando conselhos e advertências, e o que rapidamente encontra é um tombo bastante feio. Quando o colega – e namorado – decide defendê-lo, termina por gerar problemas ainda maiores do que aqueles que os dois conheciam até então, Fei revela sua imaturidade ao partir sem olhar para trás. Os anos se passam, e agora é ele que está na posição de iniciar jovens pelo caminho que há muito ele trilhou. Long surge, portanto, para fechar um ciclo, mas também para dar início a um outro. No entanto, independente do que faça, Fei não se mostra disposto a baixar suas defesas e permitir uma maior aproximação. Sexo, entre eles, pouco significa. O que importa, de fato, são os sentimentos guardados no âmago de cada um. Sobre esses se permitem apenas breves deslumbres, nunca um estudo melhor elaborado. Fei e Xiaolai passam pouco tempo juntos para que se possa sentir falta de ambos enquanto casal. Por outro lado, na maior parte da trama quem aparece lado a lado são Fei e Long. Como vê-los, portanto, como descartáveis? Esse é o maior desafio que C.B. Yi tem em mãos, tarefa que alcança apenas sob certos aspectos.

Numa história cuja proposta parte de elementos do submundo do comércio sexual, questões como violência e drogas são mais faladas do que expostas, como se presentes apenas de forma decorativa, mas não na realidade destes personagens. C.B. Yi tem pela frente uma cartilha a ser percorrida, e a faz de forma quase catedrática, acertando pontos de discussão ao mesmo tempo em que evita debates mais elaborados. Seu interesse, e isso fica evidente, está direcionado aos embates românticos vividos por estes três rapazes, se não de forma simultânea, ao menos guiado por idas e vindas quase programadas, abrindo espaços que apontam para um lado ao mesmo tempo em que os diálogos se esforçam em sentido contrário. MoneyBoys parece buscar algum tipo de provocação, seja pela temática supostamente ousada ou pelo confronto que em algum momento estabelece entre a necessidade de subsistência e os preconceitos morais carregados por uma sociedade ainda conservadora, mas tudo o que consegue é reforçar um discurso envelhecido e até mesmo ingênuo, resumindo em uma tortuosa novela que pouco se difere dos seus pares heteronormativos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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