Crítica

A origem desse filme é bastante curiosa. Se várias produções se baseiam em livros, notícias de jornal, canções e até na vida real, por que não usar como fonte de inspiração um belo exemplo das artes plásticas? Pois é o que acontece com a pintura Moça com Brinco de Pérola, de Johannes Vermeer, que dá nome também a este sensível trabalho que marca a estreia no cinema de Peter Webber, veterano da televisão inglesa. Criado essencialmente a partir de especulações a respeito de como se originou essa peça, aclamada pelos críticos como uma das mais importantes e bem realizadas do artista, a trama parte para um enredo ficcional sobre um possível relacionamento entre o pintor e sua musa inspiradora.

Vermeer (Colin Firth) é um pintor em crise. Como se dedica totalmente ao trabalho artístico, vive às custas do seu mecenas (Tom Wilkinson) e das encomendas deste. Assim, muitas vezes é obrigado a satisfazer as vontades daquele que representa sua fonte do dinheiro ao invés de suas próprias. Isso também porque sua família é numerosa, com mulher, vários filhos (sempre tem um novo chegando), criadagem e uma sogra ambiciosa e metódica. São muitas obrigações e, no seu caso, como um realizador sentimental e passional, pouco desejo. Fato que irá mudar ao chegar na casa uma nova auxiliar de cozinha (Scarlett Johansson, nesta que talvez seja sua melhor atuação até o momento), que irá mexer com a libido do pintor com seus modos delicados e uma beleza singular.

Leve e poético, Moça com Brinco de Pérola é baseado no livro de Tracy Chevalier, que desenhou essa hipótese para o surgimento daquela que é considerada a "Mona Lisa holandesa”. Com belos desempenhos também de Firth (antes do Oscar conquistado por O Discurso do Rei, 2010) e, principalmente, de Johansson – que chegou a ser indicada ao Globo de Ouro e ao BAFTA, o Oscar da Inglaterra, por este desempenho – essa é uma história contada muito mais pelo não dito, e sim apenas insinuado. Temos aqui uma obra tão bela plasticamente quanto o quadro que a originou, merecedora de encanto e deum entusiasmo recatado, até mesmo tímido. Muitos poderão reclamar do final precipitado e pouco apoteótico, mas uma análise mais refinada iré perceber que o mesmo se encaixa perfeitamente ao espírito do romance platônico que está sendo narrado, servindo apenas para confirmar uma naturalidade estilística que vinha sendo ditada desde o início.

Muito da qualidade de Moça com Brinco de Pérola vem também das lentes apuradas de Eduardo Serra, fotógrafo que procurou recriar o mesmo ambiente de Vermeer em cada cena. Esse trabalho impressionante foi reconhecido no Oscar como uma das três indicações recebidas, ao lado de Direção de Arte e Figurino, ambas também muito justas. De mais, temos um conto de amor marcado pelas convenções de uma época e, talvez, imortalizado numa das mais belas e expressivas obras de arte que o ser humano já criou. E a convicção de que Moça com Brinco de Pérola é, certamente, um tributo à altura.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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