Crítica


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Sinopse

A guarda de uma menina está sob disputa de duas mães, a de criação e a biológica, que almeja tê-la de volta. No centro do conflito, Vittoria se vê obrigada a lidar com questões existenciais muito acima do seu nível de maturidade prestes a fazer uma escolha que a afetará a sua vida para sempre.

Crítica

Numa cidadezinha no interior da Itália, o drama de duas mães e uma filha em pleno crescimento. A natureza da relação entre Tina (Valeria Golino) e Angelica (Alba Rohrwacher) é mantida propositalmente envolta numa bruma de incertezas. Elas trocam palavras esparsas, dialogam como se houvesse empecilho para uma convivência cortês. No meio de tudo isso, a jovem Vittoria (Sara Casu), filha adotiva da primeira e biológica da segunda, fato que se desvela aos poucos. Embora haja outras coisas acontecendo ao redor, nada em Minha Filha é tão importante quanto a disputa velada, e um tanto desesperada de ambas as partes, pelo afeto da menina. São várias as alusões simbólicas à maternidade ao longo da trama, algumas desnecessárias por sua obviedade, como a aversão da que deu sua bebê tão logo nascida pela cachorra prenhe de um vira-latas qualquer. Esse tipo de espelhamento aqui é comum e, dada a sua falta de sutileza, denota uma mão pesada na esfera conceitual, algo não percebido frequentemente na execução, geralmente sensível e terna.

Minha Filha se destaca visualmente pela fotografia solar, a cargo de Vladan Radovic, que acentua as tonalidades próprias à geografia do entorno dos personagens. O cabelo vermelho de Vittoria destoa na paisagem campestre, tornando-a uma figura inconfundível. Sua inocência é posta à prova, primeiro, pela ciência gradativa da conjuntura que lhe foi escondida até então, e, segundo, por circunstâncias que lhe oferecem um mundo diferente do doméstico. Há clara dicotomia entre as mães, algo explorado superficialmente pela cineasta Laura Bispuri. Tina é uma “moça de família”, respeitável por ter emprego fixo, marido e exibir uma postura adulta. Portanto, difere completamente da porra-louca Angelica, mulher endividada, afeita a bebedeiras e a sexo casual, ou seja, a priori, mau exemplo. Há uma pegada um tanto moralista nessa classificação, com o adendo de determinadas convenções surradas, como as cenas de humilhação, nas quais a desgarrada rasteja por moedas que garantam a sua cerveja noturna.

O percurso desenhado não é propriamente original. Vittoria logo se atrai pela expansividade da quase desconhecida, cada vez mais recorrendo à sua companhia como forma de carimbar o seu passaporte ao crescimento. Consequentemente, ela pretere a superproteção de Tina, gerando nela insegurança. Embora o trabalho do elenco garanta a profundidade dos dilemas, que a câmera inquieta de Laura Bispuri se encarregue de manter a tensão sempre em voga, há uma considerável fragilidade no que tange às reações das pessoas às reconfigurações. Mesmo que se esforce para, por exemplo, apresentar a singularidade de Angelica, não evita que a mesma percorra um caminho trivial, saindo momentaneamente do limbo em virtude do feixe de luz que a filha biológica representa. As demais peças do jogo, como o pai, são meros penduricalhos nesse enredo bem focado nas três, nas dificuldades de convivência e compreensão alheia.

Ainda na seara das simbologias explícitas, o buraco nas montanhas, que supostamente levaria a um tesouro praticamente inalcançável. Para além do formato de vagina – que confere um efeito curioso ao momento da entrada da criança –, existem os desdobramentos de um instante capital. Falta ao longa-metragem uma investigação profunda dessas personagens, do que as motiva ou entrava. Angelica é um prato cheio, especialmente por conta da interpretação forte de Alba Rohrwacher, mas acaba desperdiçada em passagens importantes por conta da previsibilidade. É fácil antever seu simplório flerte com a redenção, bem como a recaída que escancara uma natureza que beira o imutável. Os traços das mães podem ser entendidos, também, como caminhos possíveis à Vittória, um aberto pela criação e o outro escancarado pela hereditariedade. Por esse prisma, as experiências de ambas seriam complementares, ajudando a moldar um caráter equilibrado e solidário às diversas fragilidades de outrem.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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