Crítica

Os Yamadas constituem uma família como qualquer outra. Têm lá seus problemas, desavenças que surgem como efeito colateral da convivência, mas estão juntos. Eles protagonizam Meus Vizinhos, os Yamadas, filme dirigido por Isao Takahata, que possui visual apurado, a despeito da aparente simplicidade. Os desenhos que emulam o traço a lápis e a colorização aquarelada passam a sensação de artesanato e tradição. Portanto, a forma remete ao conteúdo, já que a trama exalta a instituição familiar japonesa, com todos os seus altos e baixos. Guardadas as devidas proporções, esta animação se aproxima de obras seminais como Era Uma Vez em Tóquio (1953), pois ambas partilham a intenção – com tons e tintas diferentes – de registrar e comentar, ora criticamente, ora com bom humor, o valor do parentesco, não apenas àqueles que partilham o sobrenome, mas também à sociedade nipônica. A inicial sensação de ingenuidade esmaece frente ao olhar amplo e inteligente que constatamos no decorrer.

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Primeiro longa-metragem do Studio Ghibli feito totalmente em computação gráfica, Meus Vizinhos, os Yamadas é baseado no mangá yonkoma Nono-chan, criado por Hisaichi Ishii, cuja estrutura é formada por tirinhas. Takahata mantém na versão animada a dinâmica das tiradas rápidas, sendo, assim, relativamente fiel ao original, ainda que imponha sua própria maneira de contar cada evento do prosaico cotidiano dos Yamadas. Exemplo disso, a bonita sequência que simboliza as dificuldades do casamento, com o pai, Takashi, e a mãe, Matsuko, transitando por cenários rebuscados a bordo de veículos que os ajudam a superar obstáculos. Aliás, a esquecimento da filha no shopping, percebido somente quando todos os demais já estão muito distantes, é outra passagem na qual o diretor Takahata evidencia a força da união para que os contratempos sejam minimizados, quando não transpostos completamente.

A presença da avó, Shige, é de suma importância. Mesmo que de vez em quando aporrinhe o genro, a filha e os netos, ela é a personificação da sabedoria, algo bastante claro em determinadas cenas, como, por exemplo, na da contemplação sensível da beleza de uma lagarta, em meio à flora mais vistosa superficialmente, ou na do compadecimento com o murchar de flores que marcam o local de um acidente, quando o mais óbvio seria apiedar-se dos acidentados. Ainda que Meus Vizinhos, os Yamadas se apresente como uma celebração carinhosa dos laços familiares, não faltam observações sarcásticas que mostram o lado difícil de conviver. A alternância entre os prazeres e as agruras dos Yamadas torna este filme um fruto maduro, que não precisa afastar-se da fábula e renegar seu potencial lúdico para testemunhar os relacionamentos no que eles têm de mais ordinário e universal.

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Meus Vizinhos, os Yamadas possui uma técnica vistosa, que salta aos olhos e se responsabiliza boa parte por sua singularidade. Os cenários são geralmente estáticos e extremamente simples, muitas vezes resumidos a meia dúzia de traços que dão conta plenamente da representação. Quase tudo está na expressão dos personagens e na interação de um com o outro. Dividida em capítulos que acompanham a troca das estações, simbologia, inclusive, do rápido crescimento físico e emocional dos filhos e do envelhecimento dos pais, a realização de Isao Takahata peca apenas por escantear ligeiramente a pequena Nonoko, menina carismática e curiosa que poderia ser mais bem aproveitada. Fora isso, esquadrinha com lentes ternas os vínculos estabelecidos em casa, as conexões de afeto que germinam em meio às brigas, discussões e demais infortúnios invariavelmente presentes na rotina de quem mora sob o mesmo teto.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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