Crítica
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Sinopse
Samy aceita um trabalho como vigia noturno numa loja de brinquedos para melhorar o patamar financeiro da família. Porém, ele não imaginava que seria escolhido como presente de um dos herdeiros mais ricos da França.
Crítica
O protagonista de Meu Novo Brinquedo é Sami (Jamel Debbouze), uma daquelas figuras populares cativantes por seu carisma e pela capacidade de lidar com os problemas. Prestes a se tornar pai, ele sofre um revés em seu negócio de venda de bules para chá com dois bicos. Sami é encarado desde o princípio como um desvalido de bom coração que tem muito a ensinar aos outros, pois a sua bondade está além de um eventual sucesso financeiro. Mesmo cheio de contas a pagar e com saldo bancário negativo, ele assume como sua a dívida do irmão que vive deitado no sofá da sala um tanto alheio às responsabilidades da vida real. Se fosse brasileiro, esse personagem poderia facilmente ser interpretado por Renato Aragão, Grande Otelo ou mesmo Oscarito, até porque é semelhante aos tipos adoráveis das chanchadas e dos filmes dos Trapalhões. É alguém sufocado pela pobreza, um tanto à margem do sistema produtivo, mas que sobrevive apesar das condições adversas. Flagrado indevidamente dormindo durante o expediente, ele vira o objeto de desejo do menino bilionário que parece um tirano em miniatura. O garoto quer “compra-lo” como presente, chegando ao cúmulo de humilhar o homem de ascendência marroquina com a imposição de coloca-lo numa caixa de brinquedo. O filme é leve, mas essa situação beira o tétrico, já que o patrãozinho desalmado nega a humanidade de Sami.
Claramente, o diretor James Huth não está preocupado com a densidade da situação, ainda que mantenha à vista os absurdos dessa tensão de classes. Sempre tem alguém para enfatizar o quão errado é tudo aquilo. No entanto, a abordagem é absolutamente conciliatória, nunca sequer resvalando num confronto minimamente consistente entre os estratos sociais contrastantes. Sami aceita se submeter aos caprichos de Alexandre (Simon Faliu) porque vai ganhar dois mil euros por dia, montante mais do que suficiente para garantir a saída de sua família da pindaíba e cercar de cuidados mais adequados a chegada de sua primeira filha. O menino constantemente humilha o seu “brinquedo”, demonstrando uma onipotência incentivada pelo pai, o homem mais rico da França que cabe naquele estereótipo de ricaço frio e calculista. Daniel Auteuil interpreta esse indivíduo que nunca contraria o filho, provavelmente como forma de compensar a impossibilidade de demonstrar afeto. Meu Novo Brinquedo opta por um caminho simplista repleto de oposições marcadas. Os milionários são caricaturas desalmadas que não têm sequer variação de expressão facial. Os pobres são barulhentos, intrometidos, solares e, por isso destoam da realidade cinzenta dos seus opressores. Desde muito cedo na trama fica evidente que estamos diante de um daqueles filmes em que lições são aprendidas e escotos convertidos.
De um lado temos um ricaço que não consegue se comunicar com o filho – e ele preenche esse buraco afetivo com aquilo que o dinheiro ilimitado pode comprar. O resultado é um menino sem ambição que se ressente da falta de carinho e, por isso mesmo, trata todos como objetos descartáveis. Do outro lado, o malandro boa praça que tem tudo, menos condições econômicas favoráveis. Sami é casado com uma mulher que o ama, convive harmoniosamente até mesmo com os vizinhos fuxiqueiros de seu cortiço e tem sempre um sorriso no rosto – ainda que a alienação diante da iminente paternidade seja algo bem pouco elaborado. Então, seguindo uma fórmula para lá de batida, o diretor James Huth precisa apenas que esses mundos colidam gentilmente em algum momento para o dinheiro de um facilitar a vida do outro e, em contrapartida, a afetuosidade de um afastar a tristeza do cotidiano do outro. Nesse ínterim, o aspecto mais prejudicado por esse tom de conto de fadas repleto de conveniências é justamente a mensagem político-social. O filme cria uma relação de causa-efeito simplista e rasa entre ricos e pobres, enxergando os primeiros como desalmados apenas porque se deixaram levar por um sistema corrosivo (prontos a mudar quando alguém lhes abrir os olhos) e o romantizando o dia a dia dos segundos, relativizando a abrasividade dessa pobreza pela compensação da felicidade.
O saldo é uma visão bastante inocente e superficial do abismo entre as classes opressoras e oprimidas, traço que parece essencial ao conflito de Meu Novo Brinquedo. A mensagem implícita “o dinheiro não traz felicidade” é romântica e complacente, à medida que visa sustentar a ideia conformista do “veja o lado bom de ser miserável“. Apenas Alexander e seu pai bilionário podem relativizar a importância do dinheiro, afrouxar suas amarras emocionais e relaxar diante daquilo que os trava, pois têm segurança econômica. Já Sami e seus vizinhos são privados do benefício de “não pensar em dinheiro”, pois isto impactaria de modo dramático as suas sobrevivências. No fim das contas, o filme constrói um trajeto em que beneficiados são os ricos que aprendem com os pobres os caminhos da felicidade, enquanto os desfavorecidos ganham, quando muito, a garantia da manutenção dos empregos – ou seja, a continuidade do regime que os remunera mal em prol da continuidade do enriquecimento do benfeitor supostamente transformado pela bondade. Cômico de mão cheia, Jamel Debbouze leva o filme nas costas e apresenta o que ele tem de melhor, ou seja, a personalidade radiante do sujeito que consegue ser feliz mesmo tendo credores em seu encalço. No entanto, do ponto de vista do discurso, a produção peca pelo excesso de romantismo na observação da relação entre os pobres e os pornograficamente ricos.
Filme visto no 14º Festival Varilux de Cinema Francês
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Alysson Oliveira | 2 |
Francisco Carbone | 3 |
MÉDIA | 3.3 |
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