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Sinopse

Quando Jade, a filha mais nova de Héloise, está prestes a completar 18 anos e anuncia que vai para o Canadá completar seus estudos, a decisão causa um inesperado impacto na mãe. A relação entra em um clima de saudosismo antecipado, e as duas passam a refletir sobre o passado e o futuro.

Crítica

Prestes a perder a companhia da caçula que vai estudar no Canadá, Héloise (Sandrine Kiberlain) começa a sentir uma angústia intermitente. Seus dois filhos mais velhos gozam de vidas independentes há algum tempo, e não é necessariamente a iminente viagem de Jade (Thaïs Alessandrin) que sustenta a sensação de solidão. A mudança da jovem encerra um ciclo pessoal, movimento que traz consigo certa instabilidade. Isso é demonstrado com bastante sensibilidade e leveza pela cineasta Lisa Azuelos. O principal dispositivo para tornar ao mesmo tempo terno e orgânico o trajeto emocional da protagonista de Meu Bebê é o conjunto de lembranças que atravessa constantemente a narrativa principal. A perpetuação de pequenos rituais, tais como a remoção da casca do pão de forma, mostra a construção de uma rotina familiar repleta de códigos afetivos implícitos. O “ninho” logo vai ficar vazio, mas a realizadora não investe numa delineação comezinha dessa alteração, apostando no pesar agridoce como efeito da despedida, distanciando-se de algo melodramático

A fim de não se repetir formalmente, isso além de oxigenar o decurso com a noção de que há ciclos praticamente inevitáveis, a cineasta cria pequenas rimas ao longo do filme. Concomitantemente à primeira relação sexual de Jade, que se dá num ambiente absolutamente sadio e sem grandes alardes, há a presumida noite de amor do pai que vai encarar uma cirurgia de risco. Hèlene não tem ciência da associação evidenciada pela montagem, mas é afetada pelo caráter cíclico de acontecimentos tão corriqueiros quanto os envolvimentos amorosos e/ou carnais. A filha transa antes de mudar de vida, perto de dar um passo significativo em direção à emancipação. Já o pai recorre ao prazer como forma de relaxar antes do procedimento que oferece risco à sua existência. Como essa, há outras aproximações, inclusive protagonizadas por Hèlene, vide as rememorações de casos passageiros explorados na telona paralelamente à paixão que Jade nutre por um rapaz conhecido.

Meu Bebê é um filme agradável, especialmente por não observar esse cenário complexo através de um prisma essencialmente melancólico. Lisa Azuelos visa, abertamente, sublinhar o lirismo dos vínculos e, por conseguinte, a dificuldade diante da urgência de afrouxar a corda e lidar com uma distância considerável. A despeito da sensação de estagnação que toma conta do enredo em determinados instantes, a história transcorre sem tantas demarcações, assim destituída de eventos que poderiam pontuar cartesianamente as viradas. Claro que há fatos mais relevantes ao todo, como as provas escolares, as festas regadas a felicidades efêmeras e a nostalgias aparentemente infindáveis e toda sorte de momentos em que Hèlene e Jade confessam mutuamente o quão árduo é o processo de aceitar a separação. Todavia, a naturalidade e a universalidade desse cenário garantem uma fácil identificação do espectador com as personagens que, cada uma à sua maneira, administram o crescimento e tudo aquilo que lhe diz respeito num foro familiar.

Os flashbacks são dispostos com muita delicadeza por Lisa Azuelos, a fim, sobretudo, de potencializar a amargura contra a qual Hélene luta bravamente. Assim como os protagonistas de outros filmes similares, igualmente assolados pela chamada Síndrome do Ninho Vazio, a interpretada com graciosidade e profundidade por Sandrine Kiberlain faz manha diante da caçula, tentando sensibiliza-la. Todavia, diferentemente da maioria deles, cujas trajetórias também são atravessadas por tristezas inicialmente avassaladoras, ela se esforça para conter esse torvelinho, justamente por compreendê-lo como outra etapa intrínseca ao viver. Ainda que os coadjuvantes tenham relevância reduzida diante da centralidade absoluta do elo a ser imediatamente transformado pelas circunstâncias, o painel general é bastante satisfatório, especialmente pelo modo como a cineasta aborda as representatividades individuais. E tudo desemboca na belíssima e despretensiosa reunião no gramado do hospital, onde resplandece a doçura das conexões.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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