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Sinopse

Enzo é um cão espirituoso e filosófico. Através de um vínculo com seu dono, um aspirante a piloto de corridas de Fórmula 1, o cachorro ganha uma visão profunda e divertida da condição humana e entende que as técnicas necessárias do esporte também podem ser usadas para passar com sucesso pela jornada da vida.

Crítica

Baseado no best-seller A Arte de Correr na Chuva, de Garth Stein, Meu Amigo Enzo é o novo exemplar de uma recente e curiosa leva de filmes narrados por cachorros, cuja mensagem principal é a amizade entre animais e humanos que transcende a morte. Dessa forma, semelhante em intenção a Quatro Vidas de um Cachorro (2017), para citar apenas um de seus congêneres, ele traça toda sorte de infortúnios para, no fim das contas, prestar um testemunho em favor da reencarnação. A debilidade do roteiro é denunciada na primeira cena, quando Enzo (voz de Kevin Costner) comenta como enxerga o fato de ser um cão à beira da morte. Boa parte do longa transcorre, portanto, em flashback, o que anula qualquer possibilidade de tensão em relação ao que pode acontecer com Denny (Milo Ventimiglia), pois tudo começa com ele oferecendo conforto ao amigo convalescente, amuado na própria urina, sem o olhar esperto e vivaz que sempre lhe foi característico.

Meu Amigo Enzo, então, volta no tempo para mostrar desde a força inexplicável que faz sujeito e filhote se comunicarem prontamente, isso enquanto Enzo menciona ter mentalidade praticamente humana. O que mais depõe contra o conjunto é o seu caráter esquemático, a forma como as etapas dessa convivência repleta de cumplicidade são atravessadas por altos e baixos, numa dinâmica melodramática pobre e acintosa. É visível que Simon Curtis busca a emoção barata, para isso jogando com o carisma do animal e o natural apelo dele decorrente. A peculiaridade mais trabalhada aqui é o envolvimento com o mundo da velocidade, uma vez que o protagonista racional é piloto de corridas e transmite ao fiel escudeiro a paixão pelo que concerne às pistas. Porém, tão logo Enzo discorra acerca do fascínio por esse universo, cujo ápice é a Fórmula 1, a modalidade esportiva é somente utilizada como desculpa para o surgimento de analogias piegas em virtude da obviedade.

Pegando emprestados procedimentos da autoajuda, a narrativa de Meu Amigo Enzo enfileira constatações como a necessidade de arriscar e criar condições ideais, tanto diante das curvas sinuosas quanto frente aos problemas da vida. A particularidade que envolve a chuva – Danny é excepcional correndo em conjunturas consideradas adversas – é particularmente instrumentalizada nesse sentido. A menção ao brasileiro Ayrton Senna se dá nesse âmbito, pois a excelência em pistas molhadas do tricampeão mundial de Fórmula 1 era sobressalente. O realizador, no entanto, não contente em apenas utilizar o que de mais simplório contém na relação entre o cotidiano e as corridas, enfileira banalmente os percalços que acometem o dono de Enzo, passando pela doença fatal de uma pessoa querida, a falta de dinheiro para garantir coisas importantes, o embate com os sogros estereotipados como vilões, tudo culminando com a volta à sequência do início.

Ainda que tenha instantes bonitos, especialmente quanto Simon Curtis parece desvencilhar-se da pressão para levar o espectador insistentemente às lágrimas, Meu Amigo Enzo apela frequentemente a um sentimentalismo tolo para mostrar a força da ligação entre o homem e seu cachorro, sobretudo quando o primeiro enfrenta dificuldades excruciantes. A entrada em cena de Eve (Amanda Seyfried) confere matizes a esse elo basilar, mas não o perturba integralmente, logo deixando que tudo volte ao cômodo. Se esforçando muito para consolidar a pregação da transcendência ocasionada/permitida pela afetividade, esse trajeto resvala numa noção subjacente que envolve a influência misteriosa e invisível do destino. A produção desperdiça elementos singulares, sendo o principal a instância esportiva, e passa longe de substanciar a esfera familiar para além de enfrentamento de doenças, de ameaças de separação, da penca de acontecimentos que visam provocar choro.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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