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Sinopse

Mark Felt, vice-presidente do FBI, usou o nome fictício de "Garganta Profunda" e foi informante dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein. Com informações preciosas, contribuiu para o desfecho do famoso escândalo de Watergate, responsável pela renúncia do então presidente norte-americano Richard Nixon.

Crítica

Antes de Linda Lovelace fazer sucesso como estrela pornô, houve um outro Garganta Profunda, esse muito mais desestabilizador para a sociedade norte-americana – e, porque não dizer, mundial. E ainda que não se soubesse seu verdadeiro nome à época, desde 2005 é público e notório que o responsável pelo vazamento de informações confidenciais do FBI e da Casa Branca para repórteres que deram origem ao Caso Watergate – e à consequente renúncia do presidente Nixon – foi Mark Felt, um dos homens mais influentes do governo norte-americano no início dos anos 1970. É sua história, enfim, que ganha luz em Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca, filme pertinente sob diversos aspectos, ainda que ressinta de um olhar mais apurado dos fatos que aborda e de um maior foco a respeito do que, enfim, realmente importa em toda essa história.

Após as revelações que dominaram o noticiário norte-americano durante o ano de 1972, o nome Garganta Profunda – o apelido dado pelos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein à fonte que servia de informante e exigia permanecer no anonimato – se tornou internacionalmente reconhecido com o lançamento do filme Todos os Homens do Presidente (1976), com Dustin Hoffman e Robert Redford à frente do elenco e vencedor de quatro Oscars – inclusive o de Melhor Roteiro Adaptado – e indicado, ainda, a Melhor Filme do ano. Neste longa, quem aparecia brevemente como o homem que tudo sabia era o veterano Hal Holbrook, porém o foco da trama eram mais as consequências de suas revelações, do que os motivos que as fizeram vir à tona. Pois bem, é esta inversão de valores que está em pauta em Mark Felt. Já sabemos, enfim, o que ele fez. Chegou a vez de tentar entender o que o levou a isso. E de coadjuvante de luxo, o personagem ganha status de protagonista.

Braço direito de J. Edgar Hoover por décadas no controle do FBI, com a morte do seu superior Felt se tornou, do dia para a noite, uma presença incômoda. Afinal, o órgão de investigação deveria ser independente, a não fechar os olhos diante nenhuma revelação, por mais escabrosa e comprometedora que fosse – inclusive se afetasse os próprios membros do governo. Com a descoberta de uma tentativa do grampeamento de uma central do Partido Democrata, ficou claro que havia algo envolvendo os Republicanos – só não se imaginava o quão alto seriam os cargos participantes da conspiração. Sua índole e senso de justiça, portanto, deveriam ter sido suficientes para levá-lo a assumir atitudes que, em situações adversas, nunca sequer seriam cogitadas. Porém, para o diretor e roteirista Peter Landesman (Um Homem Entre Gigantes, 2015), tal argumentação não parecia ser suficiente. E é neste ponto em que o filme se perde, ao tentar abraçar o mundo com as pernas.

Mark Felt, interpretado com dignidade e competência por Liam Neeson, sabia o perigo que corria a partir da troca de comando. Preterido por um outro profissional de origem oposta a sua, sem experiência alguma nessa área, logo percebe que o escolhido não é mais do que um fantoche. A partir do momento em que as denúncias começam a se acumular e nada é feito para desvendá-las, fica evidente a necessidade de se tomar uma posição. Landesman, por sua vez, não deposita fé apenas nestes entraves políticos, e decide apostar em um viés mais íntimo e pessoal. É por isso que a presença unidimensional da esposa de Felt (vivida sem muito ânimo por Diane Lane) acaba ganhando espaço, assim como uma narrativa paralela a respeito do desaparecimento da filha do casal. Tais desdobramentos poderiam garantir uma história interessante, tanto de um lado, como do outro. Porém, unidas sobre um mesmo argumento, elas simplesmente não conseguem atingir uma harmonia.

Há uma problemática, também, a respeito da ordem dos fatos. O enredo de Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca se desenvolve por mais de seis meses de ação, cobrindo grandes espaços de tempo sem se ater a um ou outro evento com a devida atenção que soa ser necessária. Assim, passagens desinteressantes, permeadas por meandros quase irrelevantes, acabam ganhando o mesmo destaque que outras que deveriam se apresentar de modo climático, mas que terminam por se revelar apenas apáticas. E quando a relevância de um filme precisa ser justificada por duas ou três telas de letreiros finais, percebe-se a incapacidade do seu realizador em escolher o que realmente era necessário, buscando agrupar ao máximo as informações levantadas, sem um olhar seletivo a respeito do que foi coletado. Assim, antes que se perceba, o Garganta Profunda se vai sem nunca conseguir, de fato, ser o que tanto ameaçou. E mais uma vez, ainda mais diante do clássico dos anos 1970, confirma-se que menos, tanto na vida real quanto na ficção, muitas vezes pode resultar em mais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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