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Sinopse

A vida e a obra do aclamado maestro e compositor Leonard Bernstein, partindo do tumultuado casamento de mais de 25 anos com Felicia Montealegre.

Crítica

A palavra “maestro”, na língua portuguesa, remete diretamente a um ambiente de orquestra, o condutor ou regente de um conjunto de músicos, direcionando-os enquanto grupo em busca de uma harmonia única e acima da soma destes talentos individuais. Porém, um passo atrás irá indicar outros entendimentos, mais sólidos e amplos, que vão do óbvio “mestre” até o arcaico “professor”. Em Maestro, Bradley Cooper tenta abraçar ambos significados, tropeçando aqui e ali tanto numa direção, como em outra. E não que seu desempenho seja no todo falho: pelo contrário, há indiscutíveis méritos envolvidos. Porém, a impressão geral é a de se estar diante de um hábil manipulador de elementos isolados, que, no entanto, não consegue dispô-los de forma orgânica num mesmo sentido, justamente pelo tanto que agrega e pela evidente dificuldade que revela em abrir mão das distrações que acumula pelo caminho. Ao se apropriar da vida de Leonard Bernstein, um homem que, em inglês, poderia ser definido como “larger than life” – ou seja, “maior do que a vida”, que muito fez e alcançou que parece impossível ter dado conta de tudo em apenas uma existência – o cineasta e ator se perde no muito que reúne, sem conseguir estabelecer um foco que justifique essa jornada – algo que, curiosamente, deveria se bastar por si só.

A música de Bernstein antecede as polêmicas do autor, seja na vida privada (os muitos homens e mulheres que passaram por seus lençóis, por exemplo) ou na performance pública (sua postura enquanto judeu, a busca por estrelato, o envolvimento com Hollywood, etc). Cooper, ciente desse conhecimento prévio que muitos de sua audiência inevitavelmente partilhariam, dirige sua investigação a um lado menos, digamos, explorado até então. Mas como evitar abordar seus maiores sucessos, as grandes regências, as composições inesquecíveis, as performances que o levaram à consagração? Eis, portanto, uma combinação de difícil equilíbrio, um ponto intermediário que o (também!) roteirista Cooper, em parceria com Josh Singer – vencedor do Oscar por Spotlight: Segredos Revelados (2016) – na maior parte de sua trama apenas tenta alcançar, sem a atingir com efeito. Falar da genialidade que o tornou imortal seria imprescindível, mas o quanto seria o bastante? Bastaria apenas enfileirar um feito atrás do outro, como muitos dos diálogos expositivos se encarregam de enaltecer? A sensação que resulta desse parco empenho raramente se mostra satisfatória.

Enquanto realizador, Bradley Cooper se mostra ainda mais disperso. Artista que penou até encontrar um lugar de estrelato na indústria pop, tendo passado como não mais do que um coadjuvante do segundo – ou, por vezes, terceiro e até mesmo quarto escalão – desde o fenômeno Se Beber, Não Case! (2009) – ou seja, há pouco mais de uma década – tem acumulado inacreditáveis nove indicações ao Oscar (sem vitória até o momento, no entanto) e explorado possibilidades tanto na frente, quanto atrás das câmeras. Esse empenho em atirar para todos os lados se confirma vivo em Maestro. Não bastou ao astro assumir as funções de diretor e como um dos responsáveis pelo roteiro, também esteve na produção e, acima de tudo, liderando o elenco, interpretando Bernstein. Essa composição, elaborada a partir do visual externo – muita maquiagem, um nariz protuberante de prótese, figurino típico da época, perucas grisalhas para marcar a passagem do tempo – falha em emular um todo convincente. Afinal, o olhar segue vívido e de um azul brilhante, a voz empossada, a postura ereta. Não se tem ali Leonard Bernstein e, sim, Bradley Cooper se esforçando – dentro de um limite que não o esconda por detrás destes adereços – para lembrar o homenageado.

É diferente do que faz Carey Mulligan, por exemplo. Como Felicia Montealegre, a esposa e companheira de uma vida, se mostra mais disposta a abrir mão destas distrações, entregando um retrato supostamente fiel a uma criação desprovida de muletas. O problema é que o filme não está majoritariamente interessado nela, dedicando apenas alguns momentos pontuais a analisar as razões que teriam levado essa mulher a se posicionar ao lado de um homem que não a tinha como prioridade, por mais que prezasse por sua presença e conselhos. A ele interessava a música, os homens, a família, e não necessariamente – e nem sempre – nessa exata ordem. Ela, por sua vez, era também atriz e poderia ter sido feliz por seus próprios feitos, mas optou por uma postura às sombras, nos bastidores. A conversa que tem com uma amiga a respeito desta reflexão talvez seja seu melhor momento em cena. Já as discussões que tem com o marido (como a do dia da parada de Ação de Graças) quem acaba por falar mais alto é o cineasta, e não o elenco e menos ainda uma demanda narrativa: a câmera se mostra altiva, quase impessoal, mantendo uma distância segura, como se decidida a não se envolver no debate em curso.

Se Cooper está no centro das atenções na maior parte do tempo – e a fotografia de Matthew Libatique (dono de duas indicações ao Oscar, uma delas por Nasce uma Estrela, 2018) se mostra ansiosa por capturá-lo, como se nada mais importasse – parece meio óbvio ele carregar nas costas a responsabilidade pelos acertos – e deslizes – da obra. Por outro lado, tivesse Mulligan mais espaço em cena, é provável que roubasse o filme para si – no entanto, pouco consegue ir além de uma apatia que se confunde entre a atriz e a personagem. No fim, resta a trilha sonora proporcionada por composições originais de Bernstein, que se não tem suas origens e impactos elucidados por este desenho, ao menos se mostram tão aptas hoje como na época de seus lançamentos a conquistar ouvintes e admiradores por onde quer que fossem exibidas e ressaltadas. É por ele, enfim, que Maestro não se confirma um engano do início ao fim. Mas é preciso mais para alçar a um posto que sem dúvida era almejado por seu realizador, o qual apenas vislumbra, sem humildade para abrir mão de si em nome do outro que, no final das contas, é quem de fato merecia os holofotes que o título aponta.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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