Crítica


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Sinopse

Imigrante iraniano que desembarcou por engano no México, Ramin precisa lidar com questões cotidianas, envolvimentos emocionais e a necessidade de estabelecer-se minimamente a fim de subsistir numa terra a ele completamente estranha, isso enquanto traça planos para retornar à Europa numa jornada de errância angustiante.

Crítica

O protagonista de Luciérnagas é Ramin (Arash Marandi), iraniano à deriva em Veracruz, no México. Sem falar espanhol, a não ser o básico, se sujeita a insalubres trabalhos braçais a fim de juntar dinheiro para rumar de navio à Turquia ou à Grécia. Além disso, é homossexual, como logo se percebe nos discretos olhares direcionados a colegas de trabalho e a outros possíveis amores fugazes nas poucas saídas noturnas. Portanto, esse sujeito está à mercê de uma série de exclusões, precisando urgentemente ocupar terrenos aos quais não se sente convidado. Ele conta somente com a gentileza de Leti (Flor Eduarda Gurrola), simpática concierge da pequena pousada onde se hospeda frequentemente. As forças que o impedem de sair, o tragando a uma vida mais extensa por ali em virtude da falta de opções no horizonte, são aludidas exatamente nos momentos em que Ramin volta ao estabelecimento dizendo precisar novamente do quarto “apenas por alguns dias”.

Mas, a despeito das portas que se fecham, ele precisa apegar-se às possibilidades. Luciérnagas é um filme que não dispõe abertamente todas as suas cartas na mesa, permitindo que o espectador complete determinadas lacunas, principalmente ao deter-se nos episódios de desespero que sobrevêm às tentativas malfadadas de evasão. Diferentemente de Cristóvão Colombo, que não descobriu necessariamente a América, Ramin efetivamente está descortinando paulatinamente o continente no contato diário com ele. Uma pena que a cineasta Bani Khoshnoudi  de modo recorrente abra o foco e alce ao protagonismo momentâneo a escaldada Leti, apresentando seu infortúnio em curso assim que o ex-namorado volta dos Estados Unidos. As questões da migração e dos refugiados estão também postas no seu núcleo, mas sem a consistência para reverberar adiante do evidente. Já o estrangeiro atravessado por toda sorte de problemas e dúvidas é entorpecido e sofre.

De dado momento em diante, Luciérnagas se bifurca, mostrando um pouco a desventura amorosa de Ramin – chamado por coadjuvantes de Aladdin e demais alcunhas que apontam aos estereótipos – e, concomitantemente, o desconforto pouco desenvolvido de Leti com seu ex. É fácil prever qual será o desfecho do vínculo do iraniano com o colega de construção, Guillermo (Luis Alberti), pelo menos parcialmente, pois a realizadora tateia as possibilidades de um envolvimento carnal e afetivo tenso entre os personagens desde o primeiro contato deles. Quase sem perceber, o protagonista vai fincando algumas raízes, por exemplo, se enrabichando pelo sujeito tatuado que lhe trata com atenção, criando um elo de amizade até então impensado, sobretudo, por conta da pretensa transitoriedade de sua presença em Veracruz. Como que tragado, Ramin vai se desapegando do outrora, familiarizando-se com a língua, assim sendo levado pela maré a estabelecer-se.

O sofrimento pela ausência do namorado que ficou para trás é substituído por Guillermo e Leti, em proporções diferentes. A amiga ganha terreno demasiado na trama, eclipsando em instantes pontuais o drama de Ramin, este apresentado com doses de apatia confundida com suposta introspecção. Luciérnagas delineia de maneira oscilante esse percurso de conformidade involuntária e resignada. Bani Khoshnoudi ocasionalmente reduz o potencial de circunstâncias capitais, tais como o atrito com o ex-namorado por uma webcam constantemente travada pela ruindade da internet. Às vezes a câmera é sensível o suficiente para demorar-se nos semblantes combalidos pelas dúvidas e angústias, noutras desenha uma rota burocrática, com a história andando até o encerramento melancólico pela impotência diante de um mundo que não permite aos sujeitos controlar suas trajetórias. Pena a narrativa hesitar tanto entre o verborrágico e o silencioso, não os entrelaçando tão bem.

 

(Filme assistido durante a 29ª edição do Cine Ceará)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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