Crítica

Nos primeiros minutos já dá pra sentir quem é Beatrice (Valéria Bruni Tedeschi), a paciente mais agitada de um hospital psiquiátrico localizado em uma vila italiana. Sem parar de falar um segundo, criticar as outras pacientes, os médicos e enfermeiros da instituição e tragando um cigarro atrás do outro, sabe-se que ela tem graves problemas de sociabilidade. Isto até a chegada de Donatella (Micaela Ramazzotti), uma jovem introspectiva que guarda vários segredos por debaixo do seu vício em remédios. Do encontro das duas nasce uma relação de amizade às avessas, a consequente fuga da instituição e o desejo de aproveitarem a vida à la Thelma e Louise sem medir as consequências. Mas e quando a realidade bate à porta, ou melhor, em suas cabeças? Como lidar? É a resposta que a dramédia Loucas de Alegria busca num ritmo intensamente melodramático e, por que não dizer, totalmente ensandecido.

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O filme de Paolo Virzi vai na contramão de seu sucesso anterior, Capital Humano (2013), saindo um pouco dos problemas sociais da Itália (ainda que eles estejam presentes em vários quadros e nas próprias personas construídas aqui) e partindo para uma jornada mais sentimental que até lembra, em vários momentos, as personagens de Pedro Almodóvar. Beatrice, por exemplo, parece ser uma socialite ressentida por seu casamento com "o juiz" não ter dado certo e, por isso, precisar atestar a todo momento o quão inteligente e sagaz ela é, demonstrando conhecimento das plantações da horta à escolha de roupas finas, do aprendizado médico latente à inconsequência de gastar um dinheiro que não lhe pertence mais. Donatella é seu completo oposto, visto que vem de uma família humilde e a única coisa em que pensa é reencontrar o filho pequeno que, até certa altura do filme, não sabemos exatamente porque foi tirado de seus braços.

As duas estão deprimidas, cada uma extravasando (ou não) os sentimentos à sua maneira. E, nesta recriação torta (mas nunca menos inteligente) das personagens de Susan Sarandon e Geena Davis no filme de Ridley Scott (Thelma & Louise, 1991), começamos a entender o porquê de suas personalidades serem tão fortes e, ao mesmo tempo que intensamente diferentes, complementares uma à outra. Virzi utiliza o clichê hollywoodiano das comédias pastelões, em que personagens carrancudos e alegres dão os braços e se unem de forma inusitada, para conduzir da forma mais humana e realista possível uma relação de amizade que, por sinal, vai justamente ajudar as duas a se curarem de seus traumas.

Este trabalho todo não seria tão interessante sem o desempenho exemplar das duas protagonistas. Completamente diferente da sua personagem introspectiva no citado Capital Humano, Valeria oferece um arco-íris de cores para sua Beatrice, seja nos altos tons de voz em que se expressa ou nos trejeitos nada delicados, típicos de uma nova rica em contraste com uma mente frágil e corrompida pelos instintos humanos mais básicos de selvageria. A belíssima Micaela esconde seu rosto de traços glamorosos em uma face sempre triste e fechada que parece, ao menor sinal de contato, que vai se despedaçar a qualquer instante, ainda mais quando reaviva as memórias de seu filho.

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Com um elenco acima da média e um roteiro bem delineado em mãos, que sabe mixar a comédia para nunca subestimar o drama real de seus personagens, Virzi entrega um longa-metragem que, ainda que menos intenso que seu antecessor, diverte e emociona ao lidar com o grande mal do século que é a depressão. Por mais cômicos que sejam seus momentos, Loucas de Alegria sabe que o assunto é e esta sendo tratado seriamente. Dosagem que só um cineasta de alto calibre consegue atingir à perfeição.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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