Crítica


6

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Histórias de pessoas com condições, identidades e vivências diversas. Famílias nem sempre preparadas para lidar com aquilo que foge ao convencionalmente entendido como "normal". Este documentário aborda as complexidades do entrelaçamento de singularidades e idiossincrasias.

Crítica

Em Longe da Árvore, Andrew Salomon não é apenas o entrevistado privilegiado por ter escrito o livro no qual o filme se baseia. Ele funciona como uma espécie de argamassa e/ou de fio condutor. Sua experiência motriz permeia as das demais pessoas que tiveram dificuldades para "se encaixar" em suas famílias. Homossexual, ele enfrentou a resistência dos pais conservadores, especialmente a da mãe, e relata o quão a negação brutal da própria natureza, a vergonha de assumir a sua identidade de gênero, foi algo perturbador e desgastante. As diretoras Rachel Dretzin e Jamila Ephron empregam uma pegada predominantemente televisiva, vide a decupagem e a forma como os depoimentos são cerzidos dentro de um esquema quase invariável, nesse longa de temática essencial. Sim, pois numa contemporaneidade em que, absurdamente, alguns pregam a homogeneização da sociedade, a produção caminha no sentido oposto, celebrando amplamente a diversidade.

Diferentemente do que se poderia imaginar, tendo em vista o protagonismo das tensões familiares relatadas por Salomon, Longe da Árvore não é atravessado invariavelmente pela dificuldade paterna/materna de compreender as idiossincrasias de filhos que destoam de padrões obtusos. O rapaz com Síndrome de Down, por exemplo, é compreendido, inclusive, a partir do amparo, das vitórias cotidianas devidamente comemoradas pela genitora numa realidade às vezes angustiante. Há espaço para relativizações do amor incondicional, com mães e pais expondo receios e incapacidades diante de circunstâncias consideradas excepcionais, principalmente as ligadas aos quadros congênitos. Pavimentando caminhos mais ou menos comuns, mas não se aferrando tanto a pontos exclusivamente similares, o conjunto mostra como há alternativas para gerar felicidade, mesmo frente a adversidades que parecem incontornáveis e intransponíveis.

Há uma frouxidão nessa narrativa dos afetos sendo reconfigurados à medida que o tempo passa. A jovem com nanismo não é observada pelo prisma materno, mas entendida em sua solidão apenas aliviada na presença de pessoas que possuem uma condição similar. Ocasionalmente se desviando de seu princípio norteador, Longe da Árvore apresenta lições de vida de relevância bem delineada, como a do casal de anões que deseja ter um filho. Durante o processo de acompanhamento deles, Rachel Dretzin e Jamila Ephron ampliam a discussão sobre constituição familiar e felicidade, ambas efetivamente desatreladas de uma pretensa regularidade. O homem manifesta inquietude diante da expectativa alheia quanto à sua insatisfação, rechaçando veementemente a distorção social construída sobre as bases dos preconceitos. Já a mulher fala, em mais de uma ocasião, que deseja ter um bebê com nanismo, mas que não segregará uma criança nascida “normal”.

Longe da Árvore lança mais questões do que pode comportar dentro de seu discurso limitado de valorização do carinho. Uma complexidade patente é a derivada do testemunho da família devastada pela tragédia. Pai e mãe de um assassino confesso falam abertamente a respeito de como é impossível negar amor, mesmo ao rebento que cometeu um ato inominável, embora ocasionalmente omitam a existência do encarcerado em suas vidas por motivos de ordem prática. Recorrentemente voltando a Salomon, o filme combate os estigmas ao investigar turbulências, adaptações e compreensões das singularidades, criando, assim, um percurso de bonita celebração humana. Contando com a trilha sonora do grupo Yo La Tengo, demonstrando sensibilidade e respeito diante da intimidade alheia, Rachel Dretzin e Jamila Ephron somente pecam pela pouca ambição puramente cinematográfica, sobretudo no âmbito imagético, e por não promover uma atração tão sólida e eficiente de temas que poderiam reverberar melhor se essencialmente atrelados. Mas é um esforço louvável.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *