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Sinopse

Luo Hongwu volta para sua cidade natal depois ter ficado impune por um assassinato que cometeu há 12 anos. As memórias da mulher que matou voltam à tona. O passado, o presente, a realidade e a imaginação começam a se confrontar.

Crítica

Longa Jornada Noite Adentro não expressa as preocupações de seu criador estritamente com a trama, quanto ao simples desenrolar da história, ou seja, a concreta busca de Luo Hongwu (Huang Jue), no retorno ao seu povoado, pela mulher amada. Afinal de contas, o cineasta Bi Gan está bem mais atento ao efeito plástico das belíssimas sequências, às elaboradas coreografias que permitem o sucesso de tomadas longuíssimas, do que necessariamente à jornada desse homem sobre o qual pouco efetivamente sabemos. Buscando inspiração no noir, o realizador faz desse sujeito um “detetive”, no sentido dele ser aquele que perscruta literal e simbolicamente os ambientes, mas não na direção de respostas peremptórias, uma vez que a primazia da sensorialidade é almejada em cada take. Sonho, imaginação e representação de fundem, criando um percurso intrincado, deliberadamente repleto de desvãos e conexões insuspeitas, tornando a sessão bem confusa.

E esse embaralhar de sentidos e camadas narrativas, delineado com afinco, intenta gerar um mergulho filosófico-existencial, no qual o amor fugidio é uma espécie de fio condutor ao acesso de outras perdas emocionais. Embora seja instigante, Longa Jornada Noite Adentro deixa muito evidente que até mesmo suas engenhosas conexões, a forma como se apega a determinados elementos para interligar segmentos aparentemente desconexos, estão subordinadas ao efeito desejado, àquilo que resplandece momentaneamente, não sem deixar, como efeito colateral, um rastro de virtuosismo relativamente vazio. A câmera se desloca com fluidez pelo emaranhado de deambulações e elucubrações, examinando cenários repletos de neons ou com uma miserabilidade medida, minuciosamente montada para exteriorizar as geografias internas do protagonista. Esse excesso de cálculo traz um esvaziamento crescente, deixando a técnica no primeiro plano.

Longa Jornada Noite Adentro se passa em tempos indeterminados, ou, melhor dizendo, justapõem instâncias cronológicas com a intenção de criar a desorientação intrínseca aos devaneios. As sequências não se articulam de pronto com suas antecessoras ou sucessoras, mas se interligam por traços em comum, como os componentes citados numa que reaparecem nas outras. Exemplo disso, a menção do protagonista ao tênis de mesa e, bem mais para frente, o encontro com o menino numa mina, mediado justamente por um desafio breve na modalidade. Portanto, os entrelaçamentos do discurso são de ordem afetiva, numa estrutura que, inclusive por conta da prevalência da estética, acaba gerando uma desorientação contraproducente. A exuberância visual, preservada à custa dessa frouxidão, garante as forças unitárias, mas não adensa o todo.

Bin Gan faz de Wan Qiwen (Tang Wei), ao mesmo tempo, ponto central dos enigmas e musa inspiradora, minimizando seu valor direto, inclusive como óbvio objeto de desejo, sublinhando, assim, a capacidade que sua presença (ou ausência) tem de conectar o protagonista com as dimensões de sua memória/imaginação. É no seu encalço que Luo Hongwu mergulha vertiginosamente num fluxo de existência estranho que, gradativamente, se descola da pétrea realidade para oferecer ao espectador um instável e exuberante trajeto interior/exterior. Portanto, as ocorrências têm seu principal fundamento no lirismo que delas se desprendem, não importando tanto como acontecimentos factuais e/ou banais. Longa Jornada Noite Adentro, todavia, é sufocado pela manifestada vontade de parecer grandioso, de ser estonteante, como em muitas passagens efetivamente é. Enche os olhos e faz um uso belíssimo do som, mas se perde em suas divagações e aspirações.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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