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Sinopse

Joe se envolve com o crime organizado na Boston da década de 1920, aproveitando-se da posição de caçula de um capitão da polícia para encontrar brechas legais e ascender enquanto figura proeminente entre os marginais.

Crítica

Inicialmente, temos a nítida impressão de que A Lei da Noite vai ser um daqueles filmes marcados pela vingança como signo principal. O protagonista, Joe Coughlin (Ben Affleck), é um marginal envolvido até o pescoço com o mafioso irlandês que controla metade de Boston na década de 20, especialmente por manter um caso fortuito com sua amante. O diretor Affleck, aliás, se esforça para delinear os pombinhos como um casal que fará de tudo para viver o romance tão intenso quanto perigoso, inclusive se expondo aos olhos da sociedade. Não demora às coisas desandarem e acontecer uma tragédia. Coagido pelo outro mandachuva da cidade, ele muda de ares, primeiro, a fim de esquecer todo o sofrimento ao qual foi submetido, e, segundo, para tentar a sorte grande como gângster, embora essa condição lhe tenha sido imposta como único caminho a ser seguido. Toda essa construção trôpega e mal enjambrada de um cenário próprio à revanche vai esvanecendo gradativamente diante da ausência flagrante de pathos.

Corajosamente, Ben Affleck se aventura nesta realização como diretor, produtor, roteirista e ator. O acúmulo de funções pode ser um dos motivos pela apatia predominante em A Lei da Noite, embora isso não sirva de atenuante. Muito longe da inteligência e da energia presentes na encenação de outros filmes encabeçados por Affleck, como Medo da Verdade (2007) e o oscarizado Argo (2012), aqui falta vigor. Sentimos como se a trama fosse conduzida quase no piloto automático. No que concerne à atuação, Affleck tampouco parece disposto a reproduzir as eventuais complexidades inerentes à trajetória do homem que convive com o luto e as vicissitudes numa realidade essencialmente violenta. Temos, então, um protagonista monocórdico e impávido em cena, que se limita a alterar ligeiramente o tom da voz para denotar estados bem distintos. O resultado é tão inexpressivo quanto o pretenso relevo dos dramas humanos que entrecortam a passagem controversa de Joe pela Califórnia.

Há boas ocorrências e possibilidades, que amenizam o marasmo de vez em quando. O problema com relação a elas é o subaproveitamento em detrimento do que o enredo tem de mais banal. Por exemplo, a proximidade da lei com o crime, evidenciada pelo fato de Joe ser filho de um policial e, mais adiante, de ele se ver estabelecendo pactos com agentes da lei que preferem fazer vista grossa a enfrentar o poder insurgente dos bandidos, é somente mencionada, como um tempero que acaba, praticamente, não alterando o sabor da receita. Outro potencial desperdiçado é a instância familiar propriamente dita. Herdeiros de mafiosos almejando o topo das operações, pais desesperados pelo destino fatídico de suas filhas que sucumbem às drogas, a ligação conflituosa do protagonista com seu progenitor lotado do outro lado da fronteira do constante combate, nada disso se instaura com peso dramático para além da boa intenção. Affleck falha copiosamente ao tentar significar o que invoca à tela.

Já estabelecido como um bem-sucedido contrabandista de bebidas durante a vigência da Lei Seca nos Estados Unidos, a serviço de um chefe contente com seus esforços, embora de temperamento instável, Joe é confrontado pelos preconceitos da Klu Klux Klan, instantes que permitem ao filme resvalar noutro tema fértil, mas, infelizmente, tratado como os demais, ou seja, burocraticamente. Lá pelas tantas, claro, o personagem de Affleck se depara com a inevitável paixão que surge para deflagrar, canhestramente, algo de bom em meio à sujeira da delinquência. A Lei da Noite deixa expostas em carne viva suas fragilidades, ainda mais se o compararmos com alguns de seus congêneres que lidaram de maneiras muito mais instigantes com as questões intrínsecas à mítica do gângster, essa figura norte-americana por excelência, de quem o cinema em tantos momentos se valeu para mostrar grandeza. Levando em consideração o acúmulo de funções capitais, dá para dizer que Ben Affleck é, inevitavelmente, o responsável pela debilidade deste longa refém de lampejos insuficientes de qualidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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