As Más Intenções
Crítica
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Sinopse
Cayetana (Fátima Búntinx) tem apenas nove anos de idade, pertence a uma família rica, mas luta sem sucesso para que os adultos reparem nela. Até porque sua mãe está grávida e separada só pensa em calmantes, seu pai verdadeiro e o padrasto estão ocupados demais, restando para ela criar um mundo imaginário para entender melhor a sua realidade.
Crítica
Um dos melhores filmes exibidos nesse ano no 39° Festival de Cinema de Gramado vem do Peru: As Más Intenções, de Rosario Garcia-Montero. O cinema peruano pouco marca presença no Brasil, mas quando chega até nós vem com uma força bem impactante. Foi assim com A Teta Assustada (2009, vencedor de Gramado com 4 kikitos, inclusive Melhor Filme latino) e o recente Contracorrente (2009), representante do Peru na busca de uma vaga ao Oscar de Melhor Língua Estrangeira. E esse novo representante demonstra, mais uma vez, que essa é, definitivamente, uma cinematografia que merece ser conhecida e observada com maior atenção.
A trama de As Más Intenções se passa no início dos anos 80, período de ditadura militar e de muitas revoltas populares. No centro da ação está uma garota de 8 anos, Cayetana, que se divide entre a mãe depressiva, o pai ausente, o padastro distante, os avós que não a entendem, os professores repressores e uma sociedade em vias de transformação. Tudo começa no dia em que a mãe retorna à casa com uma notícia devastadora aos olhos da criança: uma nova gravidez é anunciada, e um irmão está à caminho. Obcecada pela história do país e pelos grandes mártires do passado, ela crê veemente que, para ser imortalizado, é preciso perecer em ação. E um sempre deve partir para dar espaço ao outro novo. O que significa, em sua mente, que para a chegada de um nascimento, é preciso uma morte, e será a sua própria.
É impressionante a habilidade da diretora, roteirista e produtora Montero, neste que é o seu trabalho de estreia em longa-metragens, em oferecer um painel de todo um país em conflito através dos olhos de uma criança sempre sem pieguice, mas com muita habilidade e delicadeza. A referência imediata são tantos outros títulos que partem do mesmo pressuposto, do americano Império do Sol (1987), de Steven Spielberg, até o brasileiro O ano em que meus pais saíram de férias (2006), de Cao Hamburger, do italiano A Vida é Bela (1997), de Roberto Benigni, até o chileno Machuca (2004), de Andrés Wood. Mas mesmo fazendo uso de um artifício que pode soar como clichê, ela o faz com segurança e sabedoria. A protagonista é uma personagem tão interessante, rica em contradições, incertezas e inseguranças, que é impossível não se deixar envolver por ela e suas decisões, seus medos e esperanças.
As Más Intenções é uma obra extremamente comovente, repleta de simbologias – o momento em que a menina, após machucar o dedo, espalha o sangue por toda a casa, é uma analogia direta aos assassinatos e tragédias que estavam se espalhando pelo país na mesma época, por exemplo – e bastante didática, pois nos coloca com clareza e objetividade o dilema enfrentado pelos peruanos. Ao mesmo tempo, está longe de ser um trabalho cansativo e teórico, entediante. Pelo contrário, é vivo, intenso e muito bem interpretado. Uma aula de cinema vinda de um povo com pouca tradição na sétima arte, mas com certamente muito a contar ao mundo.
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