float(61) float(17) float(3.6)

Crítica


2

Leitores


17 votos 7.2

Onde Assistir

Sinopse

Dois adolescentes se conhecem durante uma festa num barco, em uma viagem de férias pelo litoral caribenho. Depois de um pequeno acidente, eles ficam presos numa ilha deserta. Dean é um garoto solitário e Emma um menina popular. Enquanto esperam por resgate, aprendem mais sobre si mesmos e as dificuldades do outro, e acabam se apaixonando.

Crítica

Emma (Indiana Evans) é uma menina lindíssima, aplicada nos estudos, tida como exemplo na escola e na rotina familiar, mas o diretor Mikael Salomon tenta nos fazer acreditar piamente que ela deve se sentir absolutamente lisonjeada quando o capitão esportista ensaia corteja-la. Dean (Brenton Thwaites) é também um rapaz bonito, de estilo rebelde milimetricamente arrumado para parecer diferente, mas o realizador igualmente tenta o apresentar como um outsider não encaixado no adolescente universo do secundário. Lagoa Azul: O Despertar abraça canhestra e tortuosamente essa lógica de um mundo povoado simplesmente por pessoas que atendem ao restritivo padrão de beleza caracterizado por peles alvas, olhos claros (ou quase) e cabelos lisos/sedosos – mesmo depois de três meses de confinamento numa ilha inóspita. O artificialismo da concepção dos personagens, bem como o das circunstâncias que os atravessam banalmente, atende ao romantismo exacerbado. Este é fomentado como um oásis a ser fruído. Praticamente não há conflitos no filme. Mesmo o isolamento dos protagonistas numa fatia insular apartada da civilização motiva poucos senões.

A natureza postiça é nutrida por uma encenação desajeitada, repleta de mudanças abruptas de perspectiva sem  porquê. O sexo é um elemento disposto cheio de pudores e com claros traços de conservadorismo, como convém a um filme adolescente deliberadamente distanciado de qualquer realidade. Isso, para induzir o público-alvo a se conectar com a trama a partir da idealização romântica. Às vezes a câmera ensaia demorar-se no vislumbre dos corpos que, uma vez superada a angústia inicial, começam a atentar-se eroticamente à presença de outrem. Porém, a pegada sobressalente é a casta, nunca descambando ao despudorado ou deixando-se contaminar pelo desejo. Durante as transas as pessoas são filmadas como se fosse feio seu enrosco intenso no instante de prazer. Emma e Dean não são mais do que meros arquétipos repetindo tolas frases de efeito, sem terreno para externar as dificuldades inerentes ao espaço intermediário entre infância e fase adulta. Adão e Eva contemporâneos, eles conservam penteados e maquiagens impecáveis, sem um visível sofrimento.

Outro ponto que mostra a leviandade de Lagoa Azul: O Despertar é a forma como os personagens norte-americanos se portam frente aos estrangeiros. Antes de se perderem, numa cena ridícula envolvendo a polícia marítima e um bote convenientemente avulso, os protagonistas vão a Trinidad e Tobago, cenário paradisíaco do Caribe, numa excursão pretensamente solidária organizada pela escola. Os professores falam que o objetivo é construir moradias aos empobrecidos locais. Até aí tudo bem, nada contra a ajuda humanitária, mas, pela displicência com que essa situação é apresentada, ela fica mais próxima do autoelogio do estadunidense salvador do que necessariamente da pontuação acerca da vontade genuína de auxiliar o próximo. Adiante, quando desesperados pelo sumiço dos filhos, os pais destes chegam a falar que o país subdesenvolvido não tem estrutura suficiente para empreender a busca necessária, algo assentido por uma das autoridades locais. De novo, não seria problemático apontar à deficiência de infraestrutura, caso não prevalecesse o tom paternalista.

Voltando ao romance açucarado e completamente sem nuances estimulado em Lagoa Azul: O Despertar, ele acaba embalando a temporada pouco pesarosa no “paraíso”, com direito a vários pores-do-sol ao lado da pessoa amada, a inesperada paz de espírito e os instantes idílicos. Difícil aderir à dor dos pais desesperados pela ausência de informações sobre os adolescentes, como também é árdua a tarefa de encarar o isolamento como algo dramático. Mikael Salomo demarca a passagem do tempo somente com riscos feitos numa pedra, mas não projeta o decurso dos meses no comportamento dos protagonistas e tampouco em seus corpos inalterados. A falta de verossimilhança advém de um descuido gritante com as minúcias, além da inclinação por oferecer respostas e resoluções fáceis para problemas difíceis. Os contratempos são obliterados pelo trajeto piegas que valoriza a inocência do amor carola e tipificado, daqueles nos quais dificilmente a vida se reconhece, nem de longe. E para fechar a fatura da ruindade, surgem a cena constrangedora do assassinato de uma pantera negra e a constatação forçada de que a dificuldade para localizar os perdidos se deu por uma distância enorme que eles pretensamente percorreram no mar aberto, num bote pequeno, sem mais aquela.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *