Crítica


6

Leitores


16 votos 7.6

Onde Assistir

Sinopse

Wesley é um jovem surdo que cria vínculos com um criminoso fugitivo numa pequena cidade da Dakota do Norte.

Crítica

O cinema está repleto de filmes em que jovens preenchem uma lacuna emocional deixada pela ausência paterna valendo-se de vínculos improváveis. Mais especificamente, é recorrente que as referências de ocasião ganhem ares de paradoxo por conta da marginalidade implicada. Podemos citar de Um Mundo Perfeito (1993), de Clint Eastwood, a Amor Bandido (2012). Bebendo nessa fonte, Laços de um Crime se aproxima mais do longa de Jeff Nichols justamente pela tentativa, ainda que neste caso bastante tímida, de criar uma mitologia lúdica em torno do fora-da-lei que ensinará ao protagonista como suportar melhor as agruras do mundo hostil. O pupilo da vez é Wesley (Danny Murphy), garoto surdo que sofre toda sorte de preconceitos diários em virtude de sua condição. Porém, embora o cineasta Christopher Cantwell sublinhe a carga motivada por um bullying diário, nada é mais agressivo do que o negacionismo do pai, o incômodo evidente que o genitor inquieto demonstra diante da deficiência. Ora protetor, ora egoísta, o patriarca interpretado por Scoot McNairy (desempenho destacável, diga-se de passagem) proíbe o uso da linguagem dos sinais em casa.

No seu mundo silencioso, Wesley se sente solitário. Laços de um Crime transfere essa dominante psicológica à paisagem, fazendo da geografia externa um espelho do interior do protagonista ensimesmado. Contribui para isso a predominância dos tons quase monocromáticos e a valorização da vastidão dos campos nevados. A entrada em cena do foragido interpretado por Aaron Paul leva à dinâmica essencial, o tal movimento de aproximação que faz a criança vislumbrar a possibilidade de ser devidamente amada e compreendida. Habilmente, o realizador não altera o registro visual, evitando assim antever de modo artificial uma redenção e/ou a uma transformação radical. A nova peça no tabuleiro não é capaz de oferecer mais do que esparsos respiros, seja por sua natureza errante ou por conta das contingências, impossibilitada de garantir uma total esperança. De toda forma, há uma troca afetiva singela entre esses dois introvertidos. O bandido se identifica com menino porque também na infância foi privado do calor paterno. Isso é confessado pelo homem.

Apesar das sutilezas e da vontade de instigar o espectador, para isso alimentando entrelinhas e evitando a mera verbalização de tudo, Laços de Um Crime fica num meio termo ligeiramente conveniente entre a centralização da experiência infante e a construção de uma personalidade marcante lhe servindo de farol. O fato de Wesley não escutar pouco contribui efetivamente ao desenrolar da trama, senão como indício de fragilidade. Mas, o ator Danny Murphy, surdo de verdade, exala uma candura comovente que acaba dirimindo determinadas facilitações propostas pelo roteiro. Já Aaron Paul, amplamente conhecido como um dos protagonistas da série Breaking Bad (2008-2013), é limitado pela fragilidade de seu personagem. Enigmático em algumas partes, lúdico em outros tantos (vide a história do tigre que certamente encobre uma história bem menos excitante e poética), ele se torna um simples apêndice do trajeto de aprendizado do seu benfeitor afeito a partidas de dama e a demonstrar uma solidariedade da qual nem sempre é igualmente beneficiário.

De certo ponto em diante, é como se todas as ideias de Laços de um Crime tivessem sido apresentadas e buriladas de acordo com o efeito desejado, restando ao diretor Christopher Cantwell reiterá-las e encaminhar um clímax próximo ao previsível. Uma vez terminada a estadia segura do criminoso num espaço de exceção que permite ao protagonista expandir-se melhor, sobram as lições de hombridade e o estímulo à firmeza de caráter. Em dois episódios distintos, Wesley utiliza contra o tutor circunstancial os ensinamentos devidamente aprendidos. Curiosamente, um é caracterizado pela agressividade física e o outro pela sagacidade intelectual encarregada de afiar o pensamento do menino. Uma pena que os roteiristas tenham preferido o meio termo entre a realidade crua e a estilização (mencionada mais como uma brincadeira circunstancial do que qualquer coisa) quanto ao bandido que mostra ao pequeno de que formas ele pode armar-se de brios e coragem contra a violência do entorno. A despeito de flertar com o genérico, o filme tem instantes em que chega a ser tocante.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *