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Crítica
Artista consagrado com cinco vitórias no Grammy de 2022 (ele tinha incríveis 14 indicações), o norte-americano Jon Batiste é tido como um dos principais nomes do atual cenário fonográfico e cultural dos Estados Unidos. Nascido no seio de uma família musical que o incentivou desde cedo a aprender coisas sobre ritmos, partituras e tons, ele tem uma carreira repleta de etapas. Desde a matrícula numa das mais tradicionais escolas musicais da América do Norte, passando pelas apresentações festivas em metrôs e outros locais públicos, liderando a banda Stay Human, residente no The Late Show with Stephen Colbert (um dos programas televisivos de maior audiência dos EUA), até a referida consagração do Grammy. No entanto, Jon Batiste: American Symphony não é necessariamente um documentário biográfico no sentido mais estrito. Indicado ao Oscar de Melhor Canção Original, o filme também funciona como porta de entrada para quem simplesmente desconhece esse protagonista. Isso por conta da sua boa capacidade de dispor informações fundamentais sobre Jon enquanto desenrola o o tema principal: a dificuldade do músico para continuar sendo criativo, sobretudo diante da oportunidade fenomenal de criar uma sinfonia, enquanto sua esposa, Suleika, luta novamente contra a leucemia – década atrás (aos 22 anos de idade) ela derrotou essa mesma doença por meio de um transplante de medula.
O cineasta Matthew Heineman tem acesso bastante privilegiado à intimidade de Jon e Suleika, acompanhando instantes fundamentalmente privados, como as crises de ansiedade e pânico do artista rumo ao Olimpo do entretenimento estadunidense e as dificuldades da enferma para lidar com os sintomas desgastantes do avanço da leucemia. Num dos únicos instantes em que a câmera é “denunciada” por alguém, Jon chama o cinegrafista de amigo, provavelmente dando uma dica sobre o nível de camaradagem estabelecido entre ele e o sujeito que controla o dispositivo encarregado de registrar aquilo que os holofotes do showbusiness não iluminam. Especialmente em casos como esse, o de um filme registrando bastidores privados de batalhas físicas e emocionais tão complicadas, é prudente se fazer algumas perguntas, entre elas: qual o grau de respeito que a câmera manifesta pela dor alheia? O quanto a sua presença altera o ambiente, uma vez que é natural criar um corpo cênico ao se entender filmado? O quanto a lente simplesmente captura, sobretudo os episódios mais críticos, e o quanto ela enverniza essa dureza com uma intenção puramente estética? Responder esses questionamentos nos permite tocar em pontos relacionados ao procedimento documental, algo essencial para a leitura do comportamento ético do cineasta e de sua equipe diante de pessoas fragilizadas e vulneráveis.
Como citado anteriormente, Jon Batiste: American Symphony merece elogios pelo modo como torna os personagens acessíveis ao público sem um excesso de didatismo. Para efeitos de comprometimento emocional e entendimento racional, temos tudo o que precisamos saber a respeito de Jon Batiste e Suleika. Ele é solar, absolutamente criativo, um artista disposto a dialogar com a tradição, mas sem curvar a coluna demasiadamente diante dela. Jon sabe que as revoluções são importantes para fazer a arte avançar e a distanciar de uma inércia mortal. Toda essa positividade que caracteriza o protagonista é colocada em xeque nas passagens mais críticas de Suleika em sua árdua batalha contra o câncer, como quando o vemos desabar lentamente (mas longe dela) por conta de notícias desanimadoras sobre o quadro de saúde. E Suleika também é vista como uma personagem inspiradora, especialmente pela capacidade de manter algum traço de bom humor mesmo nas situações mais desfavoráveis. É complementar à atitude artística dele a disposição dela por transformar sofrimento em quadros, desenhos e outras manifestações. Aos poucos, vai se desenhando uma cativante e bonita história marcada por empatia, companheirismo e entrega pessoal. Outro ponto positivo do documentário é que ele não transforma a dor em espetáculo, demonstrando respeito pelo calvário desses personagens.
No segundo parágrafo desse texto foram lançadas questões norteadoras, algumas ainda a serem respondidas. Vamos lá. Sobre a sensibilidade ao testemunhar a dor alheia. O filme não prolonga os vislumbres das crises. Não tendo uma atitude sensacionalista, ele pontua os reveses como partes das rotinas de Jon e Suleika. A presença da equipe não parece influenciar demais, o que cria a sensação de flagrante com certo distanciamento, mesmo que a decupagem seja marcada por planos fechados que nos oferecem proximidade. Com relação ao possível verniz estetizante aplicado pelas escolhas visuais, está aí o ponto fraquíssimo de Jon Batiste: American Symphony. Matthew Heineman opta por uma estética “limpa” feita de planos pensados para exalar poesia, nos quais a câmera permanece estável por meio de steadicam (sistema utilizado para garantir imagens sem tremores). Desse modo, o realizador tira um retrato visualmente muito bonito (bem composto) dessa realidade de altos e baixos, com triunfos e derrotas se alternando. Há filmes nos quais canções chorosas chantageiam o espectador, quase o obrigando a se emocionar – muitas vezes, esse empurrão escancara a incapacidade de comoção por outras vias. Aqui, o “embelezamento” desempenha uma função semelhante, pois sublinha os instantes já emotivos, o que nem pode ser percebido como atitude reativa, pois a estética foi pensada a priori. Mesmo com esse senão, o resultado é positivo, sobretudo pela valorização de Jon e Suleika como gente.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Robledo Milani | 7 |
Daniel Oliveira | 6 |
Chico Fireman | 6 |
Maria Caú | 3 |
MÉDIA | 4.4 |
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