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Sinopse

Vista por muitos como uma mulher bonita e engraçada, Lindy carrega um segredo doloroso: ela tem impulsos assassinos esporádicos e quase incontroláveis de vez em quando.

Crítica

Hoje em dia, ao menos em Hollywood, todo mundo precisa ser super-herói. Não importa como, quando, nem mesmo se há alguma lógica qualquer por trás dessa postura. Pois é mais ou menos assim que se apresenta a protagonista de Jolt: Fúria Fatal. A personagem vivida por Kate Beckinsale é dita como portadora de uma condição especial: seu temperamento. Se alguém a irrita, logo perde o controle, e ao invés de simplesmente pedir que a pessoa pare de incomodar, ou dar uma reprimenda, parte de imediato para a agressão física. Isso, somado a anos de tratamentos alternativos, muitos experimentais e perigosos, que introduziram em seu corpo um sem número de remédios e produtos químicos, “lhe deixaram com uma habilidade e força sobre-humanas” (afinal, esse é o padrão). Assim, o que se tem é uma mulher que não pode ser importunada. Como se isso fizesse algum sentido. Aliás, como toda essa história.

Pra começar, importante destacar os pontos positivos do projeto – para que ninguém nos acuse de só criticar, sem nem ao menos se esforçar em reconhecer os (poucos) méritos. Apesar de escrito por um homem (o novato e desconhecido Scott Wascha, em seu trabalho de estreia), o filme tem direção de uma mulher (Tanya Wexler, a mesma do curioso Histeria, 2011, que versava sobre a masturbação feminina e a invenção do primeiro vibrador). Ela é particularmente atenta ao desenvolvimento de Lindy (Beckinsale, perfeita como heroína de ação, no domínio de suas habilidades, como nos melhores momentos da saga Anjos da Noite), cuidando não apenas do seu histórico, mas em pavimentar suas escolhas com argumentos e motivações que façam dela um ser especial, mas, ainda assim, próximo do espectador. Quem nunca se imaginou tendo o mesmo tipo de reação, e ainda conseguir escapar ileso de um acesso de raiva como os vistos em cena?

Mas não adianta apenas uma figura interessante: é preciso dotá-la de propósito. E aí começa a derrocada. Pois a trama é por demais pífia, para não dizer ingênua. Graças ao seu jeito de ser, Lindy se impôs duas restrições. Primeiro, se manter afastada das demais pessoas. E, segundo, o uso de um colete acionado por um controle pessoal que lhe aplica ondas de choque fortes o bastante para lhe obrigar a recobrar seus sentidos. Esse muro de proteção vem abaixo quando conhece Justin (Jai Courtney), um contador que não se assusta com o jeito dela. Os dois passam uma noite juntos, e quando ela o descobre morto no dia seguinte, promete a si mesma eliminar metade da cidade, se assim for necessário, para vingar o assassinato do possível novo namorado (como se refere a ele em mais de uma ocasião, um cara que havia, literalmente, recém conhecido). Um misto de carência exagerada com violência descontrolada.

Entre um psicólogo que, obviamente, está escondendo algo (um tipo que Stanley Tucci veste confortavelmente e sem muito esforço) e um vilão típico de histórias em quadrinhos (David Bradley, da saga Harry Potter e da série Game of Thrones, 2011-2017), quem acaba por ser eclipsado é a dupla de policiais no encalço da mocinha não tão inocente. Bobby Cannavale consegue evitar as caretas e maneirismos que tem marcado suas aparições mais recentes (como no problemático Esquadrão Trovão, 2021) e se apresenta como um possível interesse romântico, ao mesmo tempo em que Laverne Cox revela destreza e determinação como um tipo que nada depende da condição da atriz enquanto mulher transexual – o que não deixa de ser um feito e tanto. Isto posto, é de se lamentar acompanhar ambos atuando mais como uma dupla cômica e menos como uma força determinante no enredo.

Afinal, este é um show para Kate Beckinsale, e para mais ninguém. Com quase cinquenta anos, segue em exuberante forma física – por mais que seja evidente sua falta de disposição (ou de interesse) em tantas sequências de luta (a edição é tão forçada nessas passagens que ou a personagem é vista pelas costas, com um perucão escondendo o rosto da moça, ou em planos de detalhes – mãos, pés, partes do corpo – sem nunca colocá-la no centro da ação). O fato de seguir conquistando rapazes mais de dez anos mais jovens é de fazer um Tom Cruise corar de orgulho. Mas o importante é que convence – e muito. Ao contrário do enredo com o qual se cercou, tão repleto de improbabilidades e soluções tiradas da cartola, indeciso entre o cartunesco e o agressivo, entre a selvageria e o absurdo, que termina por soar involuntariamente engraçado, longe do tom de ameaça que deveria ter guiado sua narrativa. Dessa forma, Jolt: Fúria Fatal é não mais do que um pastiche dadas as referências que acumula, sem desenvolver nenhuma a contento. É como se mirasse em Lucy (2014), mas tudo o que consegue é ser um genérico do Minha Super Ex-Namorada (2006). Por fim, ainda tem a ousadia de apontar para uma inevitável sequência. Se a falta de noção a trouxe até esse ponto, não será surpresa caso siga adiante. Por mais improvável que isso possa parecer.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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