Crítica

Apesar de não ser um esporte dos mais populares, é preciso alertar para que ninguém vá assistir a Jogo de Xadrez esperando encontrar uma versão nacional de filmes como Lances Inocentes (1993). Afinal, se a engenhosidade envolvida nos movimentos de peões, cavalos e rainhas sobre um tabuleiro já rendeu momentos de grande tensão em longas como Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001), X-Men: O Confronto Final (2006) e Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras (2011), na trama conduzida pelo novato Luis Antonio Pereira tudo é simplificado ao máximo, eximindo o espectador de qualquer raciocínio, seja ele evidente, com o desafio físico em cena, ou figurado, uma vez que nenhum personagem possui grande enigma a ser resolvido.

Priscila Fantin está esforçada como a protagonista Mina, secretária de um senador da república que vai parar atrás das grades após ser envolvida em um escândalo de corrupção. Ela o salvou, mas guarda consigo provas contra ele, pelas quais exige uma grande quantia como recompensa. No entanto, o político, interpretado num tom monocórdio por Antonio Calloni, tem outros planos, e para tanto conta com policiais corruptos e outras artimanhas para dar fim à antiga auxiliar enquanto ela ainda está presa. A narrativa, como fica evidente desde o princípio, envolve denúncias sociais e problemas comuns a qualquer pessoa minimamente informada, porém envoltos em uma trilha sonora irritante, uma montagem desnecessariamente picotada e uma fotografia escura que tenta se vender como um thriller policial genérico, mas sem força  nem competência para envolver a audiência, graças principalmente ao uso equivocado de clichês e à previsibilidade do seu desfecho.

Jogo de Xadrez se divide em dois momentos, armados para pontuar a evolução do enredo. Na primeira parte, observamos os bastidores de um presídio feminino, conduzido com malandragem por um oficial (Tuca Andrada, sem grandes oportunidades) que está mais interessado em salvar o seu do que pender para qualquer um dos lados. Mina – ainda que não tenha antecedentes criminais e tenha parado lá por um crime de colarinho branco, e não como resultado de uma vida nas ruas carregada de violência – é a manda-chuva do local, com direito a braço direito e guarda-costas para protegê-la (Martona, interpretada por Luana Xavier). Uma presidiaria recém transferida (a veterana Carla Marins, conhecida da televisão, porém estreando com esse trabalho no cinema) logo se alia a elas, apesar da desconfiança da irmã (Cintia Fellicia) da protagonista, que não vê com bons olhos a nova companheira.

Uma fuga marca o início do segmento mais movimentado, em que essas quatro mulheres terão que, juntas, encontrar um jeito de sobreviver, ao mesmo tempo em que Mina segue chantageando o antigo patrão. No início, a estrutura apresentada era bastante frágil – Tuca Andrada, por exemplo, faz todas as suas cenas num mesmo cenário, o que deve ter lhe tomado pouco mais de um dia no set, enquanto que as demais personagens, na ânsia por se confirmarem à altura do desafio proposto pelo roteiro, exageram em suas composições, todas se apresentando muitos tons acima do desejado. Porém, uma vez que o campo de atuação delas se amplia, junto crescem também os problemas. Os coadjuvantes são risíveis – o rapaz que é negociado como garoto de programa é digno de pena – e as protagonistas, notoriamente sem uma mão firme que as conduzisse, tentam oferecer seu melhor, porém sem o efeito esperado.

Se o Brasil fosse um país com uma indústria cinematográfica sólida, um filme como Jogo de Xadrez nunca existiria – ou, no máximo, seria lançado despretensiosamente em home vídeo. Se a máxima que quantidade pode levar à qualidade, então é assim que este projeto deve ser encarado: como um exercício, de resultados constrangedores, porém que pode, num futuro distante, apontar para uma obra mais consistente e relevante. É diferente destas comédias nacionais aproveitadoras, geralmente feitas a toque de caixa visando lucro rápido, que não possuem conteúdo artístico algum. Aqui há uma vontade perceptível de se produzir algo sólido, porém faltam aos envolvidos os méritos necessários para transformar este empenho em um produto possível de ser consumido. Afinal, como diz o ditado, de boas intenções o inferno está cheio!

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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