Crítica


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Sinopse

Um jovem entra para o exército de elite a fim de se tornar um grande guerreiro. No entanto, ele vai esbarrar na ira de um comandante violento.

Crítica

O advento do streaming gerou uma enorme transformação na oferta comercial de filmes. Sendo a extensão e a variedade dos catálogos os principais diferenciais competitivos nesse mercado, os produtores do mundo se depararam com a oportunidade de vender seus filmes para plateias internacionais e, assim, ter espectadores em escala global. Mas, isso será importante para diversificar a nossa experiência ou acarretará uma padronização? Apenas o tempo dirá. De toda forma, há alguns anos o lançamento de uma produção nigeriana nos nossos cinemas teria sido motivo de atenção especial, principalmente por conta das dificuldades encontradas pelas cinematografias periféricas para ter espaços em telonas colonizadas por cinemas hegemônicos. Jagun Jagun: O Guerreiro é uma realização nigeriana que vem ocupando posições de destaque no ranking da Netflix – algo interessante por si só, uma vez que denota um bem-vindo interesse por filmes de outros continentes, que não o americano e o europeu. Pena que suas fragilidades comprometem tanto. A história utiliza códigos do melodrama e recorre ao fantástico para falar de guerreiros impiedosos contratados para conquistar reinos, aspirantes a soldados buscando vingança, paixões proibidas e segredos familiares vindo à tona em instantes-chave. Os minutos iniciais são caóticos. Difícil se localizar frente a tantos personagens, gestos, intenções e cenários.

Jagun Jagun: O Guerreiro começa enfatizando a figura do guerreiro Ogundiji (Femi Adebayo), líder de um esquadrão de homens armados até os dentes e treinados para subjugar qualquer exército da vizinhança. Porém, Ogundiji não é o protagonista do longa-metragem, mas o seu principal vilão. Até chegarmos a essa revelação, o filme vai empilhando uma série de situações sem qualquer espessura dramática, sobretudo a atuação desse homem do mal para garantir a manutenção de um poder pela força. Reinos são sequestrados, monarcas destituídos, inocentes se transformam em vítimas dessas disputas e nada disso é ao menos convincente. Além do mais, a falta de uma linha narrativa principal, em torno do qual as subtramas se alinhariam, torna a experiência desinteressante e confusa. Adiante, surge Gbotija (Lateef Adedimeji), sujeito que descende da linhagem de homens capacitados a conversar com árvores (e também com qualquer coisa feita de madeira, o que aponta à continuidade da alma na carcaça supostamente morta). Motivado pela vingança, ele faz como boa parte dos novos colegas: está disposto a passar pelo treinamento quase desumano se isso garantir a aquisição de habilidades que o habilitem a proteger sua aldeia. No entanto, os diretores Tope Adebayo e Adebayo Tijani não utilizam isso como combustível, se restringindo a citar o objetivo, perdido em meio à saturação.

Longo e cansativo, esse filme naufraga por não atingir minimamente as suas pretensões. Em que pese o fato de estarmos falando de uma produção realizada com poucos recursos, dentro das lógicas de uma cinematografia periférica, os efeitos digitais pouco convincentes são um enorme problema, pois acentuam a sensação de precariedade. Crianças sugadas para dentro de árvores, feiticeiros conversando com colônias de formigas, vilões expelindo fogo pelas mãos, entidades misteriosas aparecendo para assassinar oponentes, tudo isso é apresentado de modo capenga por efeitos visuais semelhantes aos de certa novela brasileira protagonizada por mutantes com poderes visualmente ridículos. A dupla de cineastas não aposta na construção sólida de um mundo atravessado organicamente pelo realismo mágico, perdendo também de vista as conexões entre os incontáveis reinos. O espectador não tem subsídios suficientes para compreender a geografia e, por consequência, para ter uma dimensão básica sobre rivalidades, opressões históricas, rixas políticas e afins. O roteiro não consegue amarrar tantas pontas soltas, algo agravado pelo vendaval de clichês reaproveitados do melodrama de modo quase arbitrário. As atuações exageradas também não ajudam em nada na difícil tarefa de resistir aos quase 140 minutos de uma cansativa jornada repleta de personagens e desdobramentos desinteressantes.

Jagun Jagun: O Guerreiro ganha alguns pontinhos quando Gbotija assume o protagonismo de fato. Ao menos a trama fica um pouco menos obscura/confusa e as pessoas assumem funções menos burocráticas. No entanto, as várias fragilidades principais continuam comprometendo o resultado. Cenários pouco elaborados, interpretações que quase provocam riso involuntário, além dos maltratados códigos do melodrama – excessivos e pouco desenvolvidos para além do óbvio. Protagonista querendo vingar a morte do pai; paixão proibida pela filha do vilão; jornadas de superação pontuadas por uma trilha sonora genérica, intrusiva e manipuladora; o surgimento de subtramas sobre filhos bastardos. Os diretores passam de modo acelerado e displicente pelas situações, assim minimizando o seu impacto emocional. Qual é o sentido do banquete dos monarcas empossados pela força, uma vez que Tope Adebayo e Adebayo Tijani não elaboram essa atmosfera política como moldura dos dramas vividos pelo protagonista e pela gente que gravita em torno dele? A mise en scène é muito frágil, nunca contendo algo notável no quesito organização dos elementos cênicos. Tudo é “chapado”, as sequências de batalha são mal coreografadas e os momentos sentimentais são pouco emocionantes. Enfim, é ótimo poder assistir a um filme nigeriano lançado oficialmente por aqui, mas precisava ser um tão ruinzinho?

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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