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Sinopse

Um resgate da vida e da obra do cineasta brasileiro Ivan Cardoso, conhecido principalmente como o pai do Terrir, vertente que mistura terror e comédia.

Crítica

Mario Abbade vem se reafirmando como um diretor preocupado com o resgate/festejo de figuras essenciais do cinema brasileiro. Depois lançar luz sobre a importância de Neville D’Almeida em Neville D’Almeida: Cronista da Beleza e do Caos (2019), ele agora volta suas atenções para Ivan Cardoso, conhecido como o pai do Terrir, vertente que mistura horror e comédia. Ivan, o TerrirVel é conduzido pela voz debochada do seu agitado protagonista, geralmente emoldurado por cenários tais como a penca de óculos customizados “para não enxergar”, como bem define esse autor aos risos. O contexto imagético mostra que o sujeito nascido em Copacabana, bairro da zona sul carioca, sempre está às voltas com suas inquietações artísticas, expressadas na juventude por meio da fotografia. Dentre o vasto material de arquivo do qual o documentário se vale, estão fotos de inúmeras personalidades brasileiras, assinadas por Ivan, impressas como capas de discos seminais da música popular brasileira, circunstâncias que deflagram uma polivalência não tão conhecida amplamente.

Ivan, o TerrirVel não é um filme atento somente à dimensão cinematográfica de Ivan Cardoso, estando mais para um sumário da vida desse artista que conviveu e colaborou com grandes mestres, vide as parcerias com Hélio Oiticica e Torquato Neto. A estrutura do roteiro privilegia uma retilínea progressão cronológica eventualmente perturbada por algo fora dessa linha do tempo seguida no mais das vezes sem desvios. Diferentemente de Neville D’Almeida: Cronista da Beleza e do Caos, cujos depoimentos externos reforçavam a impossibilidade de uma verdade irrefutável acerca de alguém relevante e controverso como Neville, neste longa-metragem os testemunhos têm função complementar. Por exemplo, o escritor/roteirista Rubens Francisco Luchetti ajuda a esclarecer a gênese de O Segredo da Múmia (1982). Nas frestas da narrativa que dá conta da conjuntura da criação, o próprio personagem principal apresenta excertos de sua vida íntima.

Buscando formalmente emular uma das nuances do trabalho de Ivan Cardoso, Mario Abbade utiliza um manancial de videografismos e demais intrusões criativas na imagem para gerar a irreverência sintomática do protagonista. Valendo-se de fontes prévias diversas, inclusive de registros de bastidores de produções infelizmente perdidas, Ivan, o TerrirVel visualmente se aproxima da colagem, sobretudo para exaltar as intrusões que Ivan fazia nas películas a fim de exercitar seus constantes desassossegos estéticos. Passando por histórias resumidas dos bastidores de cada um dos principais filmes do cinebiografado, o realizador constrói a celebração de uma carreira nutrida por figuras distintas. Ivan bebeu nas fontes praticamente inesgotáveis de Glauber Rocha, José Mojica Marins e Rogério Sganzerla com a mesma voracidade demonstrada na devora (e num posterior processamento próprio) de seriados enlatados norte-americanos que adiante igualmente lhe serviram de combustível à criação de influências heterogêneas. Essa geleia geral é observada rapidamente.

Prestando-se abertamente a ser uma homenagem, passando longe de abordar as polêmicas que acompanham o protagonista até os dias atuais, Ivan, o TerrirVel se configura num substancial inventário, afetiva e intelectualmente falando. Mario Abbade permite que potencialidades empalideçam, tais como o possível mergulho definidor nas influências díspares que fomentaram, inclusive, o Terrir, a fim de privilegiar a retórica zombeteira do cineasta frequentemente deslocado do lugar que lhe é merecido na historiografia do cinema brasileiro. Certos testemunhos somente cumprem a função de aumentar o olhar admirado lançado sobre o hoje sexagenário artista capaz de exultar a beleza das mulheres ao banho – cena constante em seus filmes –, que pouco se faz de rogado ao elogiar o próprio trabalho como vanguardista e digno de reverência. A essa ótima e bem-vinda síntese de capítulos vitais relativos à vida e obra de Ivan, falta apenas coloca-lo em crise.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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