Crítica

O que um filme como Inverno da Alma faz com quatro indicações ao Oscar 2011, inclusive para Melhor Filme? Essa é a pergunta que muita gente está se fazendo, e não sem razão. Afinal, isso só pode ser possível num cenário com dez indicados ao prêmio máximo do cinema mundial, um retrocesso promovido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood no ano passado. E com uma dezena de vagas, muita coisa tem que entrar, até alguns nem tão merecedores assim. E este é um dos casos. Afinal, o filme escrito e dirigido por Debra Granik certamente possui alguns méritos relevantes, mas está longe de ser apontado como um dos melhores do ano.

Numa região conhecida como Cinturão Bíblico, no centro-oeste norte-americano, local muito religioso e ignorante, uma adolescente tem uma dura missão: criar sozinha os dois irmãos menores. A mãe, que vive com eles, sofre de um distúrbio mental, e o pai está preso por tráfico de drogas. Ou melhor, estava. Ele é libertado em condicional, e deixa como garantia a casa da família. Só que ele desaparece, e caberá à filha mais velha encontrá-lo. Caso contrário, a residência será entregue às autoridades, e não lhes restará mais nada a não ser viver nas ruas, dependendo da generosidade de estranhos. E, ali nesta cidade onde moram, os vizinhos podem ser tudo, menos generosos.

Inverno da Alma tem um ritmo lento e dolorido que lembra outro filme contemporâneo, Rio Congelado (2008), que explorava uma temática semelhante e que também foi indicado ao Oscar nas categorias de Atriz e Roteiro. Outra similaridade? Os dois filmes se passam em regiões abandonadas por tudo e todos, revelam a força feminina diante adversidades causadas pelos homens e foram escritos e dirigidos por mulheres. Mas, se o longa que deu a primeira indicação ao Oscar à Melissa Leo (ela concorreu novamente, e foi vitoriosa como coadjuvante, por O Vencedor, 2010) tinha como protagonista uma leoa na luta para defender sua prole, recorrendo a todos os recursos disponíveis para tanto, sem julgamentos morais ou sociais, aqui, por sua vez, o que temos é uma garota sem muitas opções, que se recusa a ser criança e que está sendo obrigada a amadurecer antes do tempo, mesmo sem saber como ou por quê. Ela reage ao que lhe acontece, ao invés de gerar a ação ao seu favor. E essa diferença, em relação a uma análise mais profunda sobre estes dois filmes, é crucial.

Sensação no Festival Sundance do ano passado, Inverno da Alma é a típica produção independente que tem tudo para agradar os críticos e os mais alternativos, mas que carece de uma empatia maior com o público. O tom da narrativa é seco, árido e distante. Isso é uma opção da realizadora, e tem muito a ver com as provações enfrentadas pela protagonista. Mas se por um lado contribui com suas intenções, também provoca conseqüências como um distanciamento do espectador e uma maior dificuldade em nos identificarmos com o drama exposto na tela.

Jennifer Lawrence, indicada ao Oscar de Melhor Atriz, havia feito antes apenas o interessante Vidas que se Cruzam (2008), o trabalho de estreia do roteirista Guillermo Arriaga (Babel, 2006) como diretor. Agora, desponta para o estrelato – já está escalada para o novo X-Men: Primeira Classe (2011), como a mutante Mística. Seu desempenho aqui é correto, contido na medida certa, mas sem grandes arroubos ou surpresas. Mais interessante, nesse caso, está John Hawkes (Eu Você e Todos Nós, 2005), justamente lembrado na categoria de Ator Coadjuvante, que aparece com o tio da garota, duro em suas decisões, porém consciente de seu papel no destino dela. É um personagem muito mais profundo e interessante, e que realmente impressiona com a construção delicada e repleta de nuances que o intérprete lhe confere. De sobra, o que temos é mais do mesmo. À primeira vista até provoca um impacto, mas nada que perdure por muito. E quanto mais o tempo passa, tudo o que restará na memória será uma sensação incômoda, e por mais que esse sentimento tenha sido almejado, ele nunca pode ser encarado como algo positivo. Ao menos não na visão do espectador.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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