Instinto Materno
Crítica
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Sinopse
A relação de uma mãe (Luminita Gheorghiu) e seu filho (Bogdan Dumitrache), de 32 anos. Após o falecimento de um rapaz em um acidente de carro, a mulher se recusa a aceitar que seu filho é um homem crescido, buscando evitar que ele seja indiciado pelo acidente. Um estudo das relações familiares da alta sociedade romena e do sistema socio-econômico do país.
Crítica
Não é de hoje que o cinema romeno se destaca no cenário das produções europeias. Particularmente, uma geração recente de artistas parece empenhada em acertar contas com o passado, expondo heranças que a ditadura Ceausescu legou ao povo. Filmes de tons muito diferentes como 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007) e A Leste de Bucareste (2006), por exemplo, apresentam, cada qual à sua maneira, uma vontade latente de entender a Romênia de outrora que, ainda hoje, se vê presa a velhos fantasmas. Instinto Materno é, a princípio, um filme sobre a obsessão de Cornelia (Luminita Gheorghiu) pelo filho de 32 anos, Barbu (Bogdan Dumitrache), a quem ainda trata como criança desamparada e dependente de seus cuidados constantes. Mas essa relação expõe algumas fraturas sociais alusivas ao todo, ou seja, vai do micro ao macro.
A mulher que seduz a empregada para dela tirar informações a respeito de trivialidades, tais como a arrumação da casa do filho e outros insumos de críticas dirigidas à nora (vista inevitavelmente enquanto rival), é também capaz de tudo que estiver ao alcance para minimizar a punição ao mesmo filho que logo vai matar por atropelamento um menino de 14 anos. Na delegacia, confronta autoridades, alheia à dor da família que chora a perda definitiva de um ente querido. Cornelia só quer salvar Barbu, mesmo que para isso precise adulterar depoimentos e comprar a ética do outro. Aliás, a polícia que no calor do momento se mostra arredia à arbitrariedade da senhora de alta classe, em menos de 24 horas aparece “domesticada” por sua teia de contatos nas mais altas esferas, e, mais ainda, dispondo disso para proveito próprio.
O cineasta Calin Peter Netzer mantém esteticamente o itinerário do cinema romeno contemporâneo, ou seja, câmera na mão e situações apresentadas de maneira seca, sem floreios visuais. A pegada social não se dá como que impressa num panfleto, surge nas entrelinhas, menos no puro contraponto da vida burguesa com a massa desamparada, e mais no poder dos abastados que, invariavelmente, serve para alargar ainda mais o abismo existente entre seus direitos/deveres e os equivalentes da camada menos favorecida. Cornelia, então, de alguma maneira representa o Estado obcecado por controlar a vida de seus “filhos”, estes cada vez mais acuados diante de desmandos travestidos de cuidado, de atenção. Mesmo nas cenas de emoção, Netzer ressalta o calculismo dessa protagonista preocupada com seu lado, ou, quando muito, em abrandar o peso da própria consciência.
A jornada da mãe em busca da salvação do filho se confunde com a própria necessidade que ela tem de sentir-se no domínio, onipotente diante de qualquer adversidade. Aliás, o controle lhe é muito caro, parte indissociável tanto de sua classe social, quanto da própria índole por ela moldada. Quando Barbu diz ser necessário a geração da mãe desaparecer, não se refere apenas a rusgas num nível íntimo, mas à mentalidade que subjuga fracos para manter-se hegemônica. Instinto Materno faz da dinâmica entre mãe e filho um exemplo vivo da necessidade de impor limites aos dominadores, isso se quisermos igualdade e liberdade.
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Gostei da crítica e o filme já está na minha lista! Abraços
Que bom que gostou do filme, Bianca. Falou muito bem, esse jogo de poder preenche mesmo um lugar vazio, inóspito, onde ele aproveita para crescer desmesuradamente.Fico feliz que a indicação tenha agradado. Beijos
Adorei o filme, Marcelo. Ótima indicação! Este mapa social traçado a partir das relações é mesmo muito bem feito. Tive ódio, por várias vezes, deste arquétipo mãe e, ao mesmo tempo, pena deste lugar vazio preenchido pelo jogo de poder. Achei que não iria ver a cara deste filho tão protegido e tão desfigurado. bjos
Carol,Muito obrigado pelo comentário, Carol, como sempre tão carinhoso e generoso. Esse é um filme que indico para que veja, acho que irá gostar bastante, sobretudo no que diz respeito à obsessão doentia da mãe com a "segurança" do filho.Beijos
Marcelo!! Que texto!!! Que talento, quanta habilidade com as palavras...no lugar certo, na hora exata rs. Às vezes perco o foco do filme, do conteúdo e me perco nas suas palavras, ainda mais quando ainda não vi o filme em questão e leio a crítica, como agora hehe. Depois da sua crítica a vontade só aumentou!! Parabéns pelo texto.bjs