Crítica
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Sinopse
Em Imaculada, Cecília é uma jovem religiosa que se torna freira em um convento isolado numa região rural italiana. Após uma gravidez misteriosa, ela é atormentada por forças perversas, enquanto confronta segredos sombrios do convento.
Crítica
Quando lançou Benedetta (2021), seu controverso filme protagonizado por freiras mergulhadas em dogmas cristãos e envolvidas em relacionamentos amorosos/sexuais tórridos, o cineasta holandês Paul Verhoeven se disse espantado por conta das polêmicas suscitadas, especialmente, pelas cenas de sexo. Numa realidade cinematográfica cada vez mais estéril e inofensiva quanto à representação do desejo, seja no sentido íntimo ou coletivo, o experiente realizador sabia exatamente quais botões estava apertando para chamar atenção – tendo um filme muito bom, por sinal, às vezes injustamente acusado de exibicionista ou de coisa pior. Mas, porque começar um texto sobre Imaculada falando a respeito de Benedetta, Verhoeven e da aversão dos produtores por cenas picantes que possam ferir as suscetibilidades das plateias conservadoras? Primeiro, porque ambas as produções se passam no interior de conventos, mostram religiosas tirânicas e noviças voláteis, além de apontar à existência da prevalência masculina dentro do organograma da Igreja Católica. Todavia, enquanto Verhoeven sabe precisamente em que terreno se embrenha ao fazer do tesão uma forma de ascese interpretada erroneamente como heresia, o bem menos experiente Michael Mohan prefere seguir caminhos básicos, chegando próximo da sagacidade apenas ao quebrar um pouco as expectativas sobre a utilização do terror.
Diretor do ótimo Observadores (2021), Michael Mohan começa não deixando dúvidas acerca dos perigos à espreita da mocinha norte-americana que em breve chegará a um convento italiano. A cena inaugural de Imaculada mostra outra freira fazendo das tripas coração para escapar do local, quase tendo êxito, mas sendo capturada no último momento por colegas vestidas como se fossem ritualizar uma conexão com o demônio. Assim, ele estabelece diferença entre as noções da forasteira e as do espectador, uma vez que somos informados (antes dela) que o local aparentemente benigno esconde segredos aterrorizantes. Mas, essa diferença entre personagem e espectador, quanto ao nível de consciência sobre as coisas, não dura muito. Assim que Cecília (Sydney Sweeney) chega à clausura, arranhando no italiano e sendo compreendida por poucos que ali dominam a língua inglesa, o roteiro de Andrew Lobel nos equivale a ela em termos de ignorância/sabedoria. Troncando em miúdos: vamos tomando conhecimento das coisas junto dela. A mão pesada de Mohan na direção não permite espaços para nuances ou ambivalências, tampouco faz dos exageros e das alusões superficiais uma característica narrativa com viés maneirista. As madres superioras soturnas, as castas, os padres ladinos, certas colegas invejosas, tudo é demasiadamente escancarado nesse filme com sérias dificuldades conceituais.
O primeiro problema de conceito diz respeito a essa indecisão entre diferenciar as informações passadas ao espectador e à protagonista. O segundo é a escalada do suspense, passando pelo terror, até a chegada do sci-fi. Dando volume às falhas de concepção estão as fragilidades de execução, vide as cenas mal filmadas que deveriam gerar desconforto na plateia, mas acabam sendo praticamente inofensivas, e a própria exploração do desespero crescente de Cecília como alguém que se vê no centro de uma conspiração envolvendo discurso religioso e científico. Uma das principais estrelas da atualidade em Hollywood, Sydney Sweeney não parece à vontade no papel dessa jovem que devotou sua vida à Deus depois de sobreviver milagrosamente na infância ao acidente num lago congelado. Não são identificáveis em seus gestos, falas e atitudes a sujeição à figura da divindade onisciente, onipresente e onipotente, assim como fica difícil de comprar a impetuosidade da personagem quando a verdade bizarra começa a vir à tona. Quando Cecília se descobre grávida, mesmo depois de um voto tripo de pobreza, obediência e castidade, começa a especulação do milagre ou da maldição. Sim, pois a criança concebida “sem pecado” pode ser tanto obra de Deus quanto de uma entidade menos nobre dentro do dogma cristão. Inexplicavelmente, Michael Mohan não elabora bem a dúvida que poderia alimentar o suspense.
Imaculada é vendido como terror pelo marketing, mas na verdade é um suspense ambientado num ecossistema religioso que assume tendências sci-fi próximo ao seu término. Ao revelar a verdade por trás da gravidez da impassível Cecília, o realizador centraliza o mal na figura dos aproveitadores da relíquia cristã para colocar em prática um plano mirabolante. E na correria para consolidar a protagonista como vítima, Mohan se esquece de abrir sua perspectiva para compreender a maldade reinante do ambiente, exatamente como visto na primeira cena. No último terço do longa-metragem, o cineasta lança mão de correria sem tempo para renovar o fôlego, com a protagonista tentando se desvencilhar de um fardo que nunca adquire contornos suficientemente aterrorizantes. Mesmo ao deixar definitivamente de ser ignorante a respeito do que está acontecendo, Cecília continua restrita ao papel da vítima fugitiva e desesperada que precisa compreender a importância do revide para sobreviver. Até esse ponto, o filme é tão displicente com a construção da atmosfera e o desenho da complexidade moral, emocional e psicológica, tanto dos personagens quanto das instituições, que a guinada rumo ao gore e ao exploitation parece uma medida desesperada para extrair do filme alguma pulsação. Então, retomando a comparação inicial, diferentemente de Verhoeven, Mohan está interessado no potencial superficial da freira inocente lidando com os ambientes inesperadamente pervertidos.
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