Crítica


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Sinopse

O ano de 2011 teve inúmeros atos anti-governo no Egito. Alguns moradores mais pobres acompanhavam tudo pelo jornal e pela televisão. Protestantes enchiam as ruas do Cairo. Em comum, a esperança de dias melhores no país.

Crítica

Já se passaram quatro anos da revolução no Egito que derrubou o ditador Hosni Mubarak do poder. Neste meio tempo, algumas produções retrataram as revoltas na Praça Tahrir e, certamente, muitas mais virão, dada a importância deste momento histórico na vida dos cidadãos egípcios. Mas e como era a situação das pessoas que estavam longe do Cairo, afastadas daquele turbilhão de manifestos? É isto que mostra o belo documentário I am the People, dirigido pela cineasta francesa estreante Anna Roussillon. O que vemos neste recorte são os sonhos, as decepções, a inteligência e a ingenuidade de um sujeito que esteve muito longe do olho do furacão, mas que tinha muito interesse pela causa.

Este sujeito é Farraj Abdelwahid. Agricultor e pai de família, está sempre ligado nas notícias sobre política, seja pela televisão (quando a luz não falta), seja pelos jornais. Ele e sua família vivem uma vida humilde, com sua esposa fazendo pães (quando o gás não falta) e sua filha ajudando nas lidas da casa – os filhos assistem o pai na plantação e no moinho recém-comprado à duras penas. Quando os protestos iniciam e fica claro que Mubarak não continuará no poder, Farraj se enche de esperanças. Será a chance de, pela primeira vez, um civil virar presidente do Egito. Este civil é Mohamed Morsi, candidato do partido da Irmandade Muçulmana – fato que acendia alguns avisos de cuidado para uma boa parcela dos votantes. Seu concorrente era do partido do ex-ditador, o que também não era um bom sinal. Não é nenhum spoiler dizer que Morsi venceu a eleição, para a alegria de Farraj. Esse sentimento, no entanto, duraria pouco. Enxergar esta história pelo olhar de Farraj é um verdadeiro prazer. Homem inteligente e muito afeito a discussões políticas, suas esperanças por um futuro melhor o acabam cegando algumas vezes. Com isso, tem visões políticas bastante ingênuas. Em determinado momento, praticamente parafraseia Richard Nixon e sua famosa frase: “Se o presidente fez, então é legal”. Segundo a ótica de Farraj, era necessário dar tempo e carta branca para Morsi comandar o Egito. Quem sabe um pouco da história recente sabe que a sociedade – e o exército – não o deixaram muito no poder.

Chega a ser emocionante observar os olhos brilhantes de Farraj ao descobrir que seu candidato venceu a eleição. Sua teimosia a respeito dos caminhos do presidente é quase uma forma de não dar o braço a torcer. Existe decepção, mas velada. O olhar daquele homem volta a brilhar quando Morsi é retirado do poder e existe a possibilidade de, novamente, surgir um novo Egito de toda esta situação. Farraj pensa no futuro de seus filhos, sempre preocupado com o mundo que deixará para eles. Ainda que Farraj seja o protagonista, sua esposa tem momentos inspirados – quase como um alívio cômico – e a filha do casal dá um dos depoimentos mais lúcidos do documentário, no alto de seus 10 ou 12 anos. Anna Roussillon se mostra bastante presente no filme, incitando comentários, conversando com os retratados e interagindo com o meio. É notável que ela conseguiu virar uma figura importante naquele seio familiar, o que explica o emocionante pedido de Farraj perto do desfecho do documentário.

Falando de mídia sem estar no meio dela, conseguindo mostrar a revolução do Egito bastante longe do seu epicentro, I am the People é um interessante trabalho de estreia e um ótimo complemento ao não menos imperdível A Praça Tahrir (2013). Exibido na mostra competitiva da 4ª edição do Festival Olhar de Cinema, em Curitiba, este documentário de Anna Roussillon é certamente um filme a ser notado e recomendado.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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