
Sinopse
Em Hot Milk, no calor escaldante do verão espanhol, Sofia e sua mãe doente, Rose, viajam para a cidade costeira de Almería em busca da ajuda de Dr. Gómez, um enigmático curandeiro. Enquanto tensões há muito enterradas fervilham entre elas, Sofia se vê atraída pela magnética e livre Ingrid. Drama.
Crítica
À beira mar, um sol que a tudo ilumina, tempo de férias, longe de tudo e de todos. Local e situação que se mostra ideal para um recomeço, um momento de respirar, analisar as opções que estão ao alcance, o que foi deixado para trás e as perspectivas de futuro. Mas, para Sofia, personagem de Emma Mackey, não é bem assim. Afinal, da maior causa de suas perturbações ela não só não conseguiu se livrar, como a trouxe consigo: a própria mãe. Em Hot Milk, o título tanto pode ser uma referência ao leite materno, fonte de vida, mas também de proteção, como estar relacionado a uma nova ideia de prazer, à descoberta de um tipo de conforto que até então lhe era ignorado. A confusão entre um e outro não se dá ao acaso – pelo contrário, manifesta-se de forma proposital, em uma dualidade que vai sendo reforçada com o andar dos eventos que compõem a trama. Uma provocação que faz sentido nos primeiros instantes, mas que perde força uma vez que estas forças se tornam mais nítidas. Maior clareza no discurso e menos preocupação com a forma teria feito bem ao conjunto.
Mackey é um talento em ebulição. Após ter roubado a cena ao lado de Romain Duris em Eiffel (2021) e aceitado o desafio de viver a escritora Emily Brontë em Emily (2022) – além, é claro, de ter sido uma das poucas a sair ilesa do problemático Morte no Nilo (2022) – a atriz estava precisando de um projeto adulto que deixasse para trás de vez os anos em que esteve envolvida com a série adolescente Sex Education (2019-2023). Hot Milk surge com esse propósito. Os debates, aqui, estão longe de serem óbvios. Um filme feito por e sobre mulheres, aplicando esse olhar na frente e atrás das câmeras. A protagonista tem muito com o que lidar. E Emma enfrenta cada um destes desafios com sobriedade e segurança. Ela não demonstra destempero frente às inconstâncias maternas. Não tem desespero na busca por uma reconexão paterna. Quando se vê diante da possibilidade de um novo amor, esse caminho é trilhado mais pela descoberta, do que por uma excitação juvenil. E mesmo o cachorro do vizinho que late incessantemente é um dilema menor com o qual ela aprende a lidar da melhor maneira. Em um contexto de adultos que se comportam como crianças, é a mais jovem aquela a demonstrar uma postura minimamente madura. Algo que a intérprete tira de letra em sua composição.
Há de se reconhecer o mérito da cineasta Rebecca Lenkiewicz nesse desenho. Não só diretora, mas também roteirista, fez de sua jornada pessoal fonte para os confrontos que aqui reúne. Dos segredos de Desobediência (2017) aos enfrentamentos exibidos em Ela Disse (2022), retira elementos que oferecem a essa sua estreia como realizadora uma base sólida, ainda que o desenrolar destes encontros nem sempre aponte para o caminho mais auspicioso. O desvio de rota, saindo do sul da Espanha para uma Grécia nada atraente, apenas para depois de mais uma desilusão oferecer ao espectador a resignação de ver a personagem de volta ao ponto de onde havia partido, parece uma acréscimo tão desnecessário, quanto redundante. A relação repleta de idas e vindas com a enigmática mulher que encontra na beira da praia também agrega imagens de impacto – a chegada da estranha montada em um cavalo branco é tão simbólica, quanto inesperada – mas vai pouco além desse estremecimento inicial. Uma vez passada tal impressão, permanece apenas um gosto estranho de deslocamento que não serve nem mesmo para reforçar um sentimento reiterado desde o início da trama.
Há em cena dois sólidos pontos de apoio para Mackey, e estes respondem pelas atrizes com quem compartilha a cena na maior parte do tempo. Primeiro, vê-se essa mãe problemática vivida por Fiona Shaw, uma gigante aparentemente incapaz de qualquer resvalo. A incerteza de sua condição e até a natureza tóxica da proximidade que mantém com a filha oferecem tantas camadas de entendimento que necessitaria um filme inteiro apenas para percorrer tais desdobramentos – e, provavelmente, ainda assim não seria suficiente. Já a amante de ocasião levada adiante por Vicky Krieps se encaixa com precisão em um conjunto que preza pelo imagético, ainda que nem sempre resulte em uma tessitura dramática à altura da sensação provocada. O que Sofia busca nesse novo amor? Por quê não consegue enfrentar de peito aberto as demandas cada vez mais impossíveis da mulher que se recusa a sair da cadeira de rodas? E que laços são esses que parecem impedi-la de, enfim, começar sua própria vida? Hot Milk tem muitas perguntas a fazer, e não oferecer todas as respostas conta a seu favor na maior parte do tempo. Mas num mundo no qual a interpretação de texto se mostra um artigo cada vez mais de luxo, um pouco mais de condescendência com a audiência poderia não ser visto como fraqueza, mas sinal de concisão.
Filme visto durante o 14o Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2025


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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 7 |
Francisco Carbone | 7 |
Chico Fireman | 3 |
MÉDIA | 5.7 |
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