Honey, Não!

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Sinopse

Em Honey, Não!, a protagonista é uma detetive particular envolvida na investigação de mortes estranhas ligadas a uma igreja misteriosa da Califórnia liderada por um padre carismático. Conforme aprofunda o caso, irá se deparar com segredos, sedução e mentiras, tanto de quem pensa estar ao seu lado, como dos mais improváveis suspeitos. Comédia/Thriller.

Crítica

Ethan e Joel Coen trabalharam por anos juntos. Em conjunto acumularam inacreditáveis 15 indicações ao Oscar, tendo compartilhado quatro vitórias – inclusive uma de Melhor Direção por Onde os Fracos não têm Vez (2007). No entanto, desde que decidiram seguir por caminhos separados, suas filmografias, até então aparentemente alinhadas, tem percorrido trilhas distintas. Se por um lado Joel demonstra vontade em seguir voltado a temas sérios e discussões profundas (A Tragédia de Macbeth, 2021), Ethan, por sua vez, tem deixado claro uma inclinação à diversão rápida e por vezes inconsequente. Se isso não chega a ser novidade em sua filmografia – antes, os irmãos entregaram títulos como Ave, César! (2016) e Queime depois de ler (2008), por exemplo – os recentes Garotas em Fuga (2024), e, principalmente, Honey, Não!, carecem daquele algo a mais que os deixem acima da mediocridade. Ou seja, de uma dupla amplamente consagrada, não se tem mais dúvidas sobre qual dos dois, afinal, era de fato talentoso, enquanto ao outro cabem as tiradas espirituosas, porém fugazes.

Há personagens maravilhosos em Honey, Não!. Para começar, como tirar os olhos da detetive particular interpretada por Margaret Qualley? Lésbica, assumida, determinada, dona de si e segura do seu potencial – atrativo, competência profissional, sedutora – ela transita por um mundo dominado por homens como se esses estivesse ali apenas para servi-la em suas investigações, problemas a serem superados em nome de uma intenção que a eles pouco diz respeito. Talvez a atriz aparente ser jovem demais para o papel, mas tem idade suficiente e ofereceu no passado demonstrações superlativas do talento que herdou (é filha da bela e sempre interessante Andie MacDowell) em longas como A Substância (2024) e Tipos de Gentileza (2024). De perfil franzino, convence lidando com valentões de uma cidadezinha do interior dos EUA que possuem conexões internacionais, tendo em mãos o caso de uma jovem que foi declarada pela polícia local tendo sido morta em um acidente de trânsito, enquanto ela acredita que a tragédia não foi obra do acaso.

20251102 honey nao papo de cinema

A mídia queer por vezes se mostra tão desesperada por explorar o físico de astros e estrelas que parece esquecer conteúdos mais relevantes. Se no centro dos acontecimentos desse filme está o relacionamento entre a protagonista e uma policial que irá ajudá-la na identificação de algumas possíveis evidências – Aubrey Plaza, explorando com gosto uma constante vibração sáfica – o que acabou viralizando nas redes sociais foi uma rápida cena que mostra o hercúleo Chris Evans usando nada mais do que apenas um jockstrap (uma espécie de cueca usada por atletas em atividades físicas, mas que vem ganhando cada vez mais conotação sexual, pois consiste em um suporte para os genitais e apenas duas tiras ao redor das nádegas, deixando-as em exibição). A imagem não surge gratuita, e tanto ele, quanto o diretor, não escondem saber o que estão fazendo. Ninguém é inocente por aqui, nem na trama ficcional, e muito menos nos bastidores. Como o Reverendo Devlin, Evans abusa da caricatura – indo no sentido oposto ao retrato delicado que tanto se esforçou para compor no quase simultâneo Amores Materialistas (2025) – para oferecer um tipo que enche a tela, mas pouco oferece de pertinente. É, basicamente, uma distração, e mesmo suas ligações com o caso em curso são mais circunstanciais do que relevantes para os desdobramentos a serem perseguidos.

Ainda que Ethan Coen apresente uma ou outra sequência capaz de elevar os ânimos – como a luta mortal entre os capangas na casa da avó de um deles, ou mesmo o atropelamento do galã no estacionamento do restaurante – mesmo essas passagens se mostram quase aleatórias, pois no desenrolar dos eventos se confirmarão desnecessários ao embate “quem matou?” e “por que ela foi morta?”, que geralmente são os motores que fazem histórias como essa seguirem em frente. Prometendo muito, mas entregando pouco, Honey, Não! é não mais do que uma coletânea de piadas curiosas, algumas engraçadas, outras apenas bem colocadas, mas ainda assim um tanto desconexas, que em nenhum dos contextos propostos consegue se colocar à altura das expectativas levantadas. Eis, portanto, um longa formado por partes dignas de atenção, mas que quando juntas se revelam soltas, ligadas fragilmente por meio de ruídos e tropeços que mais atrapalham a fruição do que convencem como um todo. Sem apontar um destino a seguir, eis um diretor tentando se mostrar completo, uma deficiência que conseguiu disfarçar por muito tempo, mas que agora, sozinho, se torna bastante evidente.

Filme visto durante o 27o Festival do Rio, em outubro de 2025

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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