Crítica


5

Leitores


2 votos 8

Onde Assistir

Sinopse

Em História de Amor em Copenhague, a talentosa escritora Mia encontra o amor com carismático Emil, um pai solo, na bela capital da Dinamarca. Mas a felicidade dos dois é colocada à prova quando decidem fazer tratamentos para infertilidade. O futuro é incerto. Romance.

Crítica

O título desse filme que chegou recentemente ao topo da popularidade da Netflix é enganoso. História de Amor em Copenhague sugere uma trama açucarada de pessoas se encontrando na capital dinamarquesa e construindo um lindo romance, daqueles semelhantes aos contos de fadas aos quais o cinema nos acostumou ao longo dos anos. No entanto, a realidade não é bem assim. O longa-metragem dirigido por Ditte Hansen e Louise Mieritz é principalmente sobre os efeitos das pressões matrimoniais, mais do que necessariamente uma jornada fofinha em que dois solteiros encontram as suas “metades da laranja”. Mia (Rosalinde Mynster) é uma autora com certa fama que escreve baseada em experiências íntimas e pessoais – a sua personagem principal é alterego representativo da mulher independente, ou seja, dela. Quando não estava procurando um pretendente ideal com quem criar laços profundos, Mia é apresentada a Emil (Joachim Fjelstrup), pai de dois filhos que em tudo é oposto aos seus últimos casos – homem maduro, bem estabelecido e aparentemente estável. O começo é uma beleza, com eles se conectando imediatamente, o sexo em abundância fluindo e a parceria se consolidando cada vez mais. Os realizadores estabelecem cenários e personagens com base em vários lugares-comuns. Às vezes conseguem lidar bem com todos esses clichês, noutras os repetem meio no automático.

Como era de se esperar, o primeiro obstáculo para esse romance perfeito é a aceitação dos filhos dele. O que vai acontecer se as crianças não gostarem da nova namorada do papai? Passado esse desafio inicial com louvor, é de se esperar uma continuidade de felicidade até que algo novo proponha uma crise no horizonte. E, em meio a relativização de certos componentes que poderiam ser interessantes se colocados na equação, mas não são (a mãe das crianças, as dificuldades de se adaptar a uma rotina atribulada, etc.), Ditte Hansen e Louise Mieritz aceleram processos e logo estão falando de uma maternidade desejada como se fosse o próximo passo natural. Em nenhum momento anterior Mia sequer mencionou algum instinto materno aguçado, mas isso parece vir à tona na medida em que ela convive com os filhos de Emil. Querer ter um bebê com ele é consequência natural desse amor? Alguma forma inconsciente de fortalecer os laços com esse príncipe encantado calmo? Os realizadores não elaboram do ponto de vista pessoal o que significa essa vontade repentina de engravidar, assim perdendo uma oportunidade valiosa de tornar Mia uma personagem mais interessante e com outras camadas. Fato é que os pombinhos decidem tentar um filho, mas acabam mergulhados numa poça funda de frustração. Dali para frente, esse conto de fadas bonito se transforma num verdadeiro martírio para os dois.

História de amor em Copenhague é um drama romântico superficial. Demonstrando pouco interesse pela complexidade dos sentimentos e da personalidade das pessoas envolvidas na trama, o roteiro assinado pelos diretores e baseado num livro de Tine Høeg vai sobrepondo problemas relacionados às tentativas malsucedidas de engravidar, mas não se apega a nenhum deles como principal. Nesse turbilhão de insatisfações que vai minando a possibilidade do “felizes para sempre”, temos a dor da mulher que desenvolve auto-aversão por não conseguir engravidar; o homem se sentindo impotente, mas que não sofre na pele (mesmo tendo contagem baixa de espermatozoides) as intromissões da ciência que visam corrigir o curso natural das coisas; e a namorada que esconde a escrita de um livro realista sobre suas angústias mais íntimas. E nenhum desses temas é aprofundado como poderia, pois Ditte Hansen e Louise Mieritz parecem ter receio de mergulhar a fundo demais em tudo isso, assim se contentando com a superfície, com constantes brigas e reconciliações, o que torna as discussões sempre rasas e resolvidas providencialmente. E, é preciso pontuar, há um ruído persistente na construção das diferenças entre as experiências femininas e masculinas de um mesmo evento. E isso não se aplica estritamente a Mia e Emil, mas também a outros casais que os circundam. Senão vejamos.

O filme é muito mais sobre a atribulada Mia, a respeito de suas experiências pessoais. Tanto que nem sabemos direito o que Emil faz para viver, pois ele é visto na esmagadora parte do tempo somente como namorado e pai. É dela o dilema profissional. É dela a culpa (mal aproveitada) pela escapada depois de uma briga. É dela a tarefa de ser um corpo pronto para engravidar. É dela a solidariedade que se espera quando a melhor amiga descobre algo angustiante. São dela as atitudes fundamentais ao longa. E mesmo assim História de amor em Copenhague a trata como uma pessoa descontrolada que poderia ter pensado duas vezes antes de tomar certas decisões. Emil é completamente “protegido”, quando muito podendo ser questionado por seu comportamento egoísta em determinados instantes – mas há sempre um estratégico “porém” atenuante, seja a prioridade aos filhos ou a sua leitura como alguém mais coerente. Então, o que temos é uma protagonista amplamente exposta que, ao contrário de seu parceiro, se desnuda diante do expectador, sendo ora cativante, ora enervante (à mercê de julgamentos). Falta um pouco de empatia à abordagem dos diretores para que questões complexas não virassem meras demonstrações de irritação. Como a trama é em parte construída a partir desses antagonismos entre Mia e Emil, é essencial perceber como eles são municiados e desprotegidos pelo filme. No fim das contas, o enredo irregular é o de menos, sendo o principal a manutenção de uma visão machista, na qual os homens são passivos e as mulheres são ativas. E elas ficam com todo ônus.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *