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Sinopse

Em busca de novas experiências de prazer, Frank Cotton manipula um cubo misterioso que o leva à dimensão dos cenobitas, criaturas deformadas, repletas de cicatrizes, que impingem às suas vítimas sessões de tortura e mutilação. Anos depois, seu irmão Larry decide voltar com a esposa, Julia, para a então abandonada casa da família. Todavia, o insólito reaparecimento de Frank transforma tudo num pesadelo crescente, claro, com a presença horripilante dos cenobitas.

Crítica

Transformado em objeto de culto ao longo dos anos, além de pontapé inicial de uma série de filmes, Hellraiser: Renascido do Inferno é baseado no livro The Hellbound Heart, do aclamado escritor britânico Clive Barker, que se encarregou pessoalmente do roteiro e da direção desta versão cinematográfica. Na trama, Larry (Andrew Robinson) e Julia (Clare Higgins) se mudam para a velha casa da família dele. Evidente, desde o princípio, que é um casal convencional, algo propositalmente desenhado para contrastar com o comportamento então diametralmente oposto de Frank (Sean Chapman), irmão sumido de Larry, afeito a conquistas amorosas e jogos sexuais, como atestam as fotografias encontradas no sótão abandonado. Mas são necessárias apenas algumas gotas de sangue derramadas para Frank retornar, deformado, de uma dimensão em que experimentou prazeres e dores extremas nas mãos dos cenobitas, criaturas de aparência horripilante que se alimentam do sofrimento humano.

Afora o aspecto visual, Hellraiser: Renascido do Inferno nos ganha prontamente pelo clima de apreensão instaurado, especialmente quando entendemos o contexto que faz Julia se dispor a atos hediondos. Habilmente, por meio de flashbacks, o realizador mostra o envolvimento sexual dos cunhados, ao que parece, momentos antes da cerimônia de casamento dela. Frank é esquadrinhado como um homem perverso, nutrido metaforicamente do desejo alheio, um hedonista incurável que traga suas “vítimas”, neste caso Julia, para uma atmosfera tão sensual quanto pecaminosa. Aliás, a volúpia é abertamente tratada como potência, seja para o bem ou para o mal, vide os olhares maliciosos dos empregados à jovem Julia Cotton (Clare Higgins) ou mesmo a menção posterior da garota, em meio a uma situação banal de flerte, à suposta frigidez de outro personagem. Os emblemáticos cenobitas, por sua vez, possuem práticas alinhadas com o sadomasoquismo. Inclusive, a própria indumentária deles alude à tendência.

Ainda acerca do sexo, Julia utiliza sua capacidade de sedução a fim de levar presas masculinas para a sua casa, logo transformada no covil do corpo que ganha novamente forma humana na medida em que se alimenta do sangue dos incautos. A residência em que tudo se passa é um cenário exemplarmente moldado pela direção de arte para potencializar a tensão. Imagens religiosas, como estátuas de Jesus Cristo, por exemplo, abundam nos corredores escuros desse ambiente repleto de olhares supostamente santificados, onde a luxúria se desenvolve brutalmente, de diversas maneiras. Hellraiser: Renascido do Inferno é constantemente lembrado pela figura singular do Pinhead (Doug Bradley), o cenobita mais marcante, talvez o líder deles, pálido e com o crânio encrustado de pregos. Embora sejam diferentes um dos outros, esses monstros têm características em comum, como as cicatrizes, os piercings e as mutilações. Eles barganham com angústia alheia, se regozijando com a sensação limítrofe.

Passadas três décadas da estreia, impressionante como Hellraiser: Renascido do Inferno conserva suas qualidades enquanto obra de gênero. Os efeitos especiais práticos e a maquiagem dão conta de mostrar as ameaças em sua plenitude. É verdadeiramente repugnante a cena de Frank “renascendo”, seus ossos, músculos e vísceras sendo recompostos a partir do sangue alheio, com uma quantidade significativa de gosma. Esse tipo de expediente traz personalidade ao filme, além de tornar as sequências mais impactantes graficamente. O cubo que acessa os seres deformados é como a mitológica Caixa de Pandora, pois contém os males despejados sobre aqueles que ousam abri-la. Frank encontra a danação por ir ao encontro de experiências de satisfação puramente carnal. Dentro dessa lógica dos cenobitas, a barbárie é uma decorrência natural da insolência de alcançar inteiramente o gozo, resposta ao “pecado”. Não à toa Pinhead e companhia viraram ícones do cinema de horror nos agora longínquos anos 80.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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