Crítica


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Sinopse

Egresso do Nordeste, Tadeu logo se dá bem no Rio de Janeiro, inclusive por virar uma espécie de queridinho das madames da Cidade Maravilhosa, se metendo frequentemente em confusões sexuais.

Crítica

Uma divertida sátira da alta sociedade do Rio de Janeiro, a comédia Gente Fina é Outra Coisa conta três episódios centrados no jovem Tadeu (Ney Santanna), rapaz pobre que faz diversos trabalhos para famílias abastadas e eventualmente seduz as mulheres da casa, tanto as madames que o empregam quanto as funcionárias.

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A narrativa estabelece uma clara divisão entre as classes sociais, sendo Tadeu o único personagem a transitar por esses dois mundos. Os ricos são retratados de maneira bem caricata, como seres desprezíveis: podem ser adúlteros, cleptomaníacos, chantagistas, hipócritas ou simplesmente esnobes que tratam os empregados feito lixo. Uma personagem faz questão de se despir na frente do protagonista porque, segundo ela, “empregado não tem sexo”. Já outro oferece dinheiro para que o namorado malandro da filha desapareça, confessando saber também que o rapaz é responsável por um estupro, mas decidindo não fazer nada a respeito.

O triunfo de Tadeu em cada uma das situações não chega a demonstrar uma ascensão social, já que ele não passa a frequentar os espaços dos “grã-finos”, mas uma espécie de vingança: é como se o jovem usasse o sexo para dar o troco pela humilhação a que se submete trabalhando para os ricos. Em determinado momento, aliás, a narração do protagonista revela que ele chega a se sentir mal pelo patrão quando considera manter relações com a esposa e a amante do homem, achando que seria humilhante demais para ele. Isso, é claro, não o impede.

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Embora não seja uma das várias pornochanchadas que adaptam obras de Nelson Rodrigues, o filme traz algumas semelhanças com os trabalhos do escritor, especialmente em relação à maneira como a sociedade carioca é retratada. Essa leitura rodrigueana vale para cada um dos segmentos, mas fica particularmente nítida no segundo, Chocolate ou Morango. A trama é bastante similar à do romance O Casamento – que chegou a ser adaptado para o cinema por Arnaldo Jabor em 1976 – e fala sobre um homem rico que prepara o casamento de sua filha favorita e faz de tudo para que a cerimônia pareça perfeita aos olhos dos outros, embora a realidade seja bem diferente.

O aspecto da crítica social é, entretanto, tratado sempre de maneira leve e cômica. Este não é um filme particularmente engraçado, mas que claramente não se leva a sério, como é comum nesse filão. Há situações ridículas como o clímax do primeiro episódio (os convidados de um jantar finíssimo se desesperam e vomitam a comida que acreditam ter sido envenenada), mas os momentos mais divertidos são também os mais sutis, como as manchetes de jornal que ocasionalmente aparecem trazendo pérolas como “strip-tease e pavor”, “amarrou o pai no formigueiro” e “fuzilado no ritmo do samba”.

Além de contar com uma direção surpreendentemente criativa do veterano Antônio Calmon, um dos aspectos positivos do longa é a ótima trilha sonora, que utiliza várias canções conhecidas (de Simon and Garfunkel, Elvis Presley, entre outros) aliadas à música-tema composta e interpretada por Odair José, Tadeu, o pobre rico. Há também a presença de atrizes globais no começo da carreira, como Marieta Severo e Louise Cardoso, ambas belíssimas.

Apesar de não ser visto como tão machista quanto alguns outros exemplos da pornochanchada – considerando o teor erótico dos filmes e a época em que foram feitos – Gente Fina é Outra Coisa apresenta algumas questões que podem incomodar o espectador que carrega os valores mais “politicamente corretos“ de hoje. A trama brinca com a velha fantasia masculina de ser “pegador”, um homem irresistível, mas, enquanto quase todas as relações de Tadeu parecem ser perfeitamente consensuais, há um momento no terceiro episódio (O Prêmio) em que a linha entre consentimento e estupro não parece muito clara. Quando a madame Íris (Selma Egrei) contrata Tadeu para que ele seduza uma amiga, ela promete recompensa. Ao descobrir que ela se referia a um prêmio em dinheiro – e não em sexo, como ele pensava – o protagonista exige que ela tenha relações sexuais com ele mesmo assim. A cena seguinte mostra os dois se vestindo calmamente e fica implícito que a mulher acabou cedendo. É claro que a comédia não pretende fazer apologia ao estupro, mas essa cena evidencia um pensamento fundamentalmente misógino: o de que a mulher quer dizer “sim” quando diz “não”.

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De maneira geral, entretanto, o filme é bastante divertido e, além da obrigatória nudez, faz uma crítica social bem-humorada, mostrando o conflito entre uma elite nojenta e uma classe trabalhadora humilhada por ela. A caracterização desse conflito pode até ser exagerada, mas evidentemente ecoava a realidade do Brasil naquela época.

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cursa Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e é editora do blog Cine Brasil.
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